Me liguei no chocolate

"Açúcar em excesso é prejudicial" e "açúcar é uma poderosa droga, que vicia" são afirmações vistas com certa frequência por aí. E elas tem uma verdade: o consumo de açúcar vem aumentando ano após ano e pode prejudicar a saúde e favorecer o ganho de peso.

Mas o açúcar tão condenado não é aquele chocolate que você vai comer na páscoa, e muito menos o doce que você 'ataca' quando está de TPM ou mau humor. Esse açúcar é outro. Ele é aquele encontrado nos alimentos ultraprocessados e que vem com diversos nomes que você jamais diria são sinônimos de açúcar. 

Açúcar vicia

Uma idéia permanente que as pessoas tem é que açúcar vicia. Isso porque quando consumimos algo açucarado, aumentamos a secreção de dopamina, um neurotransmissor que sinaliza para o cérebro "estou sentindo prazer". Essa secreção também é liberada por drogas, o que faz as pessoas acreditarem que o açúcar, como as drogas, viciam. E de fato, em experimentos com cobaias, o açúcar provocou um mecanismo de vício. Porém, o buraco é bem mais embaixo.

Mas não é só o açúcar e as drogas que provocam essa sensação: sexo, exercício, batatas fritas, se apaixonar, ir as compras, escutar música e várias outras atividades prazerosas provocam um aumento de dopamina. Todas elas então, em tese, viciariam. 

Você pode me falar que conhece alguém viciado em sexo, em compras e em atividade física. Eu sei que essas pessoas existem. Mas elas não estão viciadas no ato em si, estão 'viciadas' na sensação que cada um provoca. O mesmo acontece com o açúcar - só que esse é mais disponível e fácil de encontrar. 

Coloquei a palavra 'viciada' entre aspas porque não acredito que seja um termo correto. Um viciado em drogas, por exemplo, não só consome porque tem necessidade de viver aquela sensação como precisa se drogar para evitar os sintomas físicos e dolorosos associados à abstinência. A ausência do açúcar pode te deixar de mau humor e meio desanimado, mas não ao ponto de ter sintomas tão graves quanto aqueles provocados na ausência das drogas. 

Um usuário de drogas em rehab, quando sofre uma recaída, tem uma sensação de incapacidade gigantesca, uma frustração sem tamanho. E é por isso que não concordo com o uso do termo 'vício' quando se fala em consumo de açúcar. Se você encara o açúcar como um vício, comer um pedaço de chocolate (grande ou pequeno) será sinal de fracasso e a chance de continuar tendo essas recaídas (consumo exagerado) é imensa. Comer e gostar de chocolate não te faz incapaz ou fraco, te faz um ser humano comum, que gosta de coisas gostosas e de obter prazer através delas. 

Além disso, o açúcar-problema não é esse do ovo de páscoa. O açúcar-problema  está  nos vários produtos ultraprocessados que consumimos em excesso: salgadinhos, biscoitos pseudo-integrais, achocolatados, iogurtes adoçados, massas prontas, condimentos e por aí vai. 

malte de cevada,  adoçante à base de milho, maltodextrina, xarope de milho, xarope de malte, dextrose, maltose, polidextrose, dextrina são alguns nomes de açúcar

Se você consome produtos ultraprocessados de maneira esporádica e os legumes, verduras e alimentos in natura (ou minimamente processados) são a base da sua alimentação, o ovo de páscoa não é o grande problema. Mas claro que você não precisa comê-lo todo de uma vez! Esse consumo deve ser gradual.

"Ah, mas eu conheço fulano que disse que quando parou de comer açúcar, não sentiu mais falta". Também conheço. Mas observe essa pessoa: a alimentação dela é super balanceada? Por isso não sentiu tanta falta. Ela adorava doce ou estava comendo por hábito? Por isso não sentiu tanta falta. Parou de comer açúcar mas continua comendo alimentos super energéticos? Bingo!

Coelhinho da páscoa, o que trazes pra mim?

Que tal usar seu próximo ovo de páscoa para melhorar sua relação com os doces? Quebre seu ovo de páscoa em vários pedaços e guarde em um pote opaco - ou em um pote transparente, mas dentro de algum armário. O lance aqui é não deixar esse pote no alcance da sua visão.

Uma vez por dia você vai pegar um pedaço do chocolate. Mas tem que ser na hora que você tem mais vontade de comer doces. É a noite? Que seja nesse horário. Depois do almoço? Ótimo! É no momento de nervosismo? Um pedacinho pra respirar. Não importa o horário, o importante é você comer esse pedaço de chocolate, pelo menos uma vez por dia. 

Durante esse processo, perceba o que te faz querer comer o chocolate: ansiedade, hábito, final de uma refeição salgada, ócio... Comemos não só por fome, mas também por outros estímulos. Qual o seu?

Quando for comer o pedaço de chocolate, curta o momento. Existem exercícios de Mindfulness que sugerem que você feche os olhos, sinta o cheiro do chocolate, coloque na boca, preste atenção no sabor. Isso é excelente, mas nem sempre dá pra aplicar no dia a dia. Uma ótima forma de comer de maneira mais consciente é curtir o momento. Pare, relaxe. Pegue o chocolate e coma pensando que está fazendo uma coisa deliciosa para seu corpo e mente. 

Exagerou? Tudo bem. Acontece. Não torne o dia de amanhã um martírio e nem entre na 'semana sem chocolate'. Retome sua rotina normal. 

E por último, mas não menos importante: não se obrigue. Talvez tenha um dia que você nem faça questão do chocolate. E não, você não está maluca ou louco. Quando a gente tira o mistério/culpa daquele alimento, fica mais fácil deixar de optar por ele. 

Recado final

Aprender a se relacionar com o açúcar é um treino. Acho super importante procurar um profissional sério para avaliar se você realmente é 'viciado' em açúcar: muitas pessoas que chegam no meu consultório dizem se exceder mas, após uma avaliação, vejo que o consumo está super normal - os excessos são outros. 

Além disso, comer de uma maneira mais saudável e equilibrada elimina, de maneira efetiva, grande parte da vontade de comer doce. Muitas vezes o alto consumo de chocolates ou sobremesas se deve a uma alimentação baixa em energia (calorias) e qualidade nutricional. Procurar um nutricionista é muito importante nesse ponto. Só cuidado para aqueles que te propõe os 'desafios' ou 'dietas low carb' e até 'detox de açúcar'. Tudo furada!

E se você ganhou muitos ovos na páscoa, pode distribuí-los com amigos e familiares ou congelar: pique em pedacinhos e use posteriormente em receitas (bolos, cookies, etc). 

O importante é tentar consumir de maneira moderada.

Boa páscoa pra todo mundo!

Até a próxima,

Marina