Eu li: Fome - Roxane Gay

"Todo corpo tem uma história e um histórico". É assim que Roxane começa seu livro. 

Não conhecia Roxane Gay e, assim que soube de um livro que falava sobre compulsão alimentar e questões corporais, quis entender quem é que estava falando sobre isso. 

Roxane é uma escritora e professora americana, autora do Best Seller (Ny Times) Bad Feminist (2014) e outros livros. É parar pra ver o que ela fez e faz, que dá pra exclamar "eita que mulherão da p*rra!", como muita gente gosta de dizer. 

Minha prima me mandou um artigo que falava sobre o livro e depois da minha breve pesquisa, corri pra comprar. Devorei o livro em menos de 1 semana. 

FOME

Roxane é obesa. Foi estuprada no início da sua adolescência e, desde então, sofre com o peso, com a alimentação, com relações, com culpa, com medo. É o retrato de várias outras mulheres que eu conheço tiveram histórias similares a de Roxane: abusos sexuais seguidos de uma cadeia de questões envolvendo corpo e comida.

Roxane já me ganhou nas primeiras páginas do livro, quando ela explica a etimologia da palavra "Obeso" e comenta sobre "obesidade mórbida". E não li Bad Feminist, mas como o título já sugere eu estava esperando que ela tocasse no tema feminismo. E foi assim que ela o fez quando diz: 

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"Isso é o que ensinam a maioria das garotas - que devemos ser magras e pequenas. Não devemos ocupar espaço. Não devemos ser vistas e ouvidas e, se somos vistas, devemos ser uma visão agradável aos homens, aceitáveis na sociedade".

E complementa dizendo: "acredito na extinção dos padrões rígidos de beleza que obrigam as mulheres a obedecer a ideais fantasiosos. Acredito que devemos ter definições mais abrangentes de beleza, que incluam diversos tipos físicos". Porém, nos apunhala com a afirmação: "O que eu sei e o que sinto são duas coisas muito diferentes".

O livro é auto-biográfico e você se sente lendo um diário de Roxane. Como se um dia ela estivesse cansada de conviver com todas aquelas palavras ali, e quisesse colocar para fora. Vomitar palavras já que vomitar alimentos não havia funcionado para ela (ainda bem!). 

Ela fala o quanto a comida serve como consolo, como ela engoliu o segredo do estupro e fez seu corpo expandir para que pudesse explodir. Conta das tentativas de ajuda da família para que ela emagrecesse, da mudança rebelde para outro lugar do país, das suas dificuldades sexuais, do medo e da vergonha. 

CORPO

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Roxane já pesou 262 kg. Tem 1,90, é negra. E gorda. Como ela não deixa de falar no livro, sofreu preconceitos por todos os lados.

Ela rebate a idéia (da Oprah) de que para cada mulher gorda há uma mulher magra interior, esperando aquela pessoa impostora deixar aquele corpo. Pergunta se realmente existe alguém a vontade com o próprio corpo, independente do peso. Diz que não é a perda de peso que a ajudará a se sentir confortável, já que ela não consegue equacionar magreza com felicidade, pois se acordar amanhã magra, carregaria a mesma bagagem que arrasta por quase 30 anos. 

Além disso, descreve como é comprar roupas, comprar comida, se sentar em cadeiras, (não) ir a academias e falar em público. 

LIVRO

Você pode estar pensando: "mas peraí, ela tem mais de 200kg! Eu estou apenas um pouco acima do peso!". Leia. Se você tem questões físicas que te abalam fortemente, leia. Se você trabalha com isso e continua com aquele julgamento desnecessário de que todo mundo que está acima do peso é 'sem vergonha', também leia. 

Imagine quantas pessoas existem ao seu redor que acreditam que uma pessoa acima do peso não é desejável e não merece ser amada. Agora imaginem quantas pessoas que estão acima do peso pensam isso de si mesmas. Dói né? Uma dor em dobro. Roxane mostra isso.

Algumas frases que grifei no livro poderiam ser ditas por qualquer mulher que já se sentiu invadida pela cobrança, por um relacionamento abusivo, por uma ansiedade ao comer, pela pressão social. Mexeu comigo profundamente. Achei um livro corajoso e verdadeiro, que, como a própria Roxane diz, não é um livro contando uma história de triunfo e nem mais uma biografia sobre perda de peso. 

É um livro sobre existência. Porque todo livro e todo corpo tem uma história e um histórico.

Já leu? Me conta o que achou aqui!

Beijos,

Marina

Observação: eu li o livro em português mas acredito que a versão em inglês deve ser melhor. Não sei porque, tive essa impressão. Não curti muito a tradução. Se você tem facilidade de ler em inglês, vá em frente.