O peso da infância

Fiz uma estatística interna: 78% dos pacientes que eu atendo e estão insatisfeitos com o corpo, receberam orientações restritivas (profissionais ou não) pra emagrecer durante a infância/início da adolescência.

89% dos pacientes que eu atendo e estão obesos (ou com sobrepeso importante e exames bioquímicos alterados) tem ou tiveram um dos educadores (país, avós, tios, babás, etc) obesos.

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Da insatisfação com o corpo, observo o seguinte: pessoas que nem de longe tinham problema de peso e saúde na infância/adolescência, mas para corresponder a uma expectativasocial de corpo 'magro padrão' foram levadas a profissionais que deram regras engessadas e restritivas para emagrecer. 

Crianças que eram crianças, algumas mais fofinhas, outras mais barrigudinhas, e várias com uma estrutura maior que a média da sala de aula. Crianças com corpos de formatos variados, que faziam parte de uma sociedade heterogênea.

Elas foram influenciadas a fazer dietas, foram chamadas de gordas de uma maneira pejorativa e recebiam ordens diárias para 'não comer pra não virar uma baleia'. Sempre pergunto: "e na escola, tinha bullying?". Até hoje nenhuma dessas pessoas disse que sim. Mas a maioria diz ter sofrido forte pressão e bullying familiar.

Já as crianças que estavam com um sobrepeso importante ou uma obesidade real, tiveram estímulos diferentes. Podiam, vez ou outra, ter algum incentivo para emagrecer, mas de uma maneira super passageira.

A maioria me conta que sim, rolava o bullying na escola, e de maneira geral essas crianças não gostavam de atividades físicas propostas. Os pais e educadores dessas crianças não se importavam muito com a questão do peso/saúde, pelos mais diversos motivos. Aquela não era uma prioridade.

Os pais dessas crianças geralmente eram (ou são) obesos e, segundo a minha estatística interna, 76% já sofreu algum problema de saúde que pode ser relacionado ao excesso de peso.

Essas crianças viveram num ambiente obesogênico. Os pais, com escolhas e alimentação ruins, criaram um lugar onde o ganho de peso descontrolado era a consequência. E aqueles que tentaram tratar as crianças, não fizeram parte do processo. O que, na minha opinião, não resolve muita coisa.

Vendo essas duas situações, posso sugerir alguns conselhos para os pais e educadores:

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Não fomente a gordofobia. Não trate a obesidade como algo pejorativo, como resultado de um desvio de caráter ou uma fraqueza. 

Incentive a criança a se exercitar mais. Isso não quer dizer mil aulas de natação ou judo, mas brincadeiras ao ar livre, caminhadas por parque e museus e qualquer outra coisa que as tornem mais ativas. Proporcione as atividades que elas gostam.

 

Avalie suas expectativas. Tente não introjetar sua idéia de magreza ou a gordofobia em uma criança/adolescente que está com um corpo em formação. Eu acredito inclusive que mostrar que temos uma diversidade de corpos faz parte da educação sobre outras diversidades (de gênero, raça, origem, etc). Incentive seu filho a respeitar suas próprias igualdades e diferenças, sem a necessidade de se encaixar num padrão estético em prol da sua saúde física, mental e emocional.

Observe o ambiente onde você educa essa criança. Comece a avaliar as suas escolhas. A criança provavelmente não vai sozinha ao supermercado escolher para a família, e muito menos opera os fogões e a logística da alimentação sozinha. Ela escolhe o que você oferece.

Inclua a criança na escolha de alimentos e entenda que algumas crianças tem mais facilidade do que outras para comer. Seu filho não precisa gostar de todas as comidas do mundo para ser bom de garfo ou saudável. Na infância, uma boa rotina onde a comida caseira é o centro da alimentação aumenta as chances de uma boa saúde.

Não queria que seu filho perca peso de maneira absurda, com dietas absurdas. Nem incentive-o a dar muita atenção para a balança. Essa criança passará o resto da vida adulta com problemas de auto imagem, auto aceitação e variações de peso. Acredite, eu vejo isso acontecer diariamente.

E por ultimo, aprenda com a sinceridade genuína de uma criança. Elas sabem falar verdades sem magoar o outro. Precisamos mais aprender com elas! Precisamos ajudar mais e ferir menos! 

Um feliz dia das crianças!

Até a próxima!

Marina 

Obs: as figuras são do ilustrador Alex Solis. No instagram, @alexmdc