Paola, Gaby e o maiô verde

IMG_3655.JPG

Quando Paola Carosella publicou uma foto de maiô em julho (2018), ela perguntou: “Você tem orgulho de você?”- e continuou com um texto lindo dizendo do quão orgulhosa ela era da sua história. Não só do seu corpo, mas de todos os momentos vividos: os piores, inclusive.

Em outubro de 2018 ela voltou a brilhar vestida num maiô verde na capa da Revista Cláudia, com uma chamada: Amar a si mesma. Gaby Amarantos, cantora, posou também de maiô verde na capa da Revista Marie Claire, no mesmo mês e ano. A chamada da capa de Gaby é “inspira, transpira e vai”.

Duas mulheres diferentes, com corpos diferentes, inclusive de tudo que sempre se viu nas capas das revistas. Capas que foram replicadas nas redes sociais, território de muita barriga sarada e padrão de corpo. Isso é pra se comemorar, celebrar, aplaudir, elogiar e pedir mais. Mas também pra refletir.

Eu sou uma severa crítica ao que o movimento do ‘Body positivity se tornou (ou sempre foi). Meu jeito de pensar se aquece mais nos braços do ‘Body Neutrality’, justamente porque creio e sei que não dá pra ser feliz o tempo todo, se amar o tempo todo, se adorar o tempo todo. Apesar de entender que o body positivity não tem esse significado, a palavra Neutrality (neutralidade, em inglês) é muito mais suave e fácil de representar minhas crenças. E ela assim, sozinha. Sem o body.

Porque aceitação e amor próprio vão muito, mas muito além do corpo. E é o que as reportagens sobre Gaby e Paola mostram. Paola conta da sua dificuldade de se expor ‘de salto, saia, maquiagem, decote e cabelo solto’ no programa Master Chef, acreditando com medo de que as pessoas pensassem que ela não sabia cozinhar; e também falando sobre o falecimento da mãe, após vivenciar três tentativas de suicídio desta e da libertação que a morte de uma mulher tão genial e cruel trouxe para a vida da chef. Paola diz que não gostava das suas pernas, do quadril e nem do joelho, e mudar o olhar sobre si mesma, aos 40 anos, começou de dentro pra fora, depois de tanta história familiar e pessoal.

Já a reportagem de Gaby, cantora negra, nordestina e ‘acima do peso’ para os padrões atuais, narra sobre as mais de 30 mil mensagens racistas deixadas nas suas redes sociais em junho e também sobre o reflexo disso: uma crise de pânico e o início de um tratamento psicoterapêutico - antes desacreditado por ela. Além disso, contou que aos 20 anos vivia se escondendo e que já fez mais de meia dúzia de cirurgias plásticas. O caminho para se aceitar? Encontrar mulheres negras, poderosas e orgulhosas da sua história para se identificar e se fortalecer.

Essas histórias de mulheres conhecidas ilustram o que eu sempre tento dizer: somos maiores do que um formato de corpo. E é muito duro lutar contra a pressão que a mídia e as opiniões nos colocam, mas, no meu ponto de vista, é mais duro ainda quando a tal ‘aceitação’ e o amor próprio se transformam em adoração e obrigação.

Veja Paola e Gaby Amarantos. Duas mulheres com mais de 40 anos, que descobriram há pouco tempo, cada uma da sua maneira, uma fórmula para serem mais compassivas com seus corpos e suas vidas. E essa condolência não exime nenhuma das duas de dores, tristezas e dias que irão se olhar no espelho e desejarão melhorar algo, mas traz confiança e segurança capazes de entender que o corpo é ‘a embalagem do que cada uma é e o que realmente importa para cada uma’ (parafraseando Paola).

Por isso, vá com calma. Um dia de cada vez, porque formar amor próprio é como construir um prédio no lote onde antes ficava uma velha casa: precisamos negociar, comprar esse imóvel antigo, retirar as lembranças que devem ser guardadas, e botar abaixo toda a velha estrutura, pra depois, iniciar uma nova edificação. E isso demora um tempo: as vezes a obra é embargada, vem a chuva, os feriados, as crises financeiras até que um dia, o prédio está pronto - e, mesmo assim, segue com constantes manutenções e reparos.

E não confunda aceitação com adoração (ou com vitimização). A adoração narcísica do ‘eu me amo’ é cilada. Ninguém se ama o tempo todo, e se aceitar é justamente saber disso. Alguns dias a solução é realmente reclamar e se entregar as rasteiras que a vida dá e a imagem no espelho que insiste em não entregar o que a gente quer. É acolher nossos sentimentos, nossas fragilidades e vulnerabilidades, lidando com cada frustração - missão também difícil, mas, edificante.

E também não caia no perigo do ‘eu sou isso aqui mesmo, pra que mudar então?’, porque isso não é se aceitar. “Isso aí mesmo que você é” não precisa ser algo que te incomoda, e você tem o direito e o poder de mudar. É só tomar cuidado com o ponto onde se quer chegar com essa mudança, porque muitas vezes nosso destino - principalmente falando de questões físicas - é o que o outro parece ser ou ter.

Ver uma mulher poderosa e segura de si numa foto ou capa de revista é maravilhoso. E se você enxergar essa pessoa além de tudo aquilo que ela está mostrando, vai ver o que ela realmente representa: histórias, medos, alegrias, desejos e fragilidades. Por isso, contemple a beleza alheia sem esquecer que, provavelmente, aquela pessoa já esteve no seu lugar: ou querendo mudar, ou querendo se aceitar.

Até a próxima!

Marina

__________________________________________________________________________

_ A escolha dos maiôs verdes que Gaby e Paola vestem não é aleatória. Ela faz parte de uma campanha dos produtos da linha Tododia da Natura, que tem como conceito "Vista sua pele. Viva seu corpo". A partir do texto ‘Querida garota do Maiô verde’, de Jéssica Gomez, que viralizou em 2016 e se tornou um manifesto de auto estima, a campanha fala sobre a vergonha que as mulheres sentem do próprio corpo, sobretudo com a chegada do verão e as exigências para um ‘corpo de praia’.  É um projeto lindíssimo, que tem como parte essencial o estudo “Corpo Vivo”, realizado pela antropóloga Paula Pinto em parceria com a Natura.
Eu recomendo a leitura do texto “Querida Garota do Maiô Verde”, que você pode ler clicando aqui!