Raspando o prato!
Fartura e excesso de comida são comuns na mesa Brasileira. A máxima “melhor sobrar do que faltar” rege nossa vida culinária e alimentar. Mas isso gera um consumo exagerado e um hábito difícil de largar: deixar comida no prato e parar de comer quando estamos satisfeitos e saciados.
A sensação de desperdício, a culpa da frase “tanta gente morrendo de fome, e você deixando comida no prato” e aquela ordem proferida por 9 de 10 mães brasileiras “tem que comer até raspar/limpar o prato” tornam a opção de comer além da nossa saciedade numa obrigação.
E geralmente é nesse excesso que moram o problema e a solução. O problema: depois de anos raspando o prato, comemos até nossa barriga ficar cheia, com aquela sensação de que no nosso estômago não cabe nem mais uma azeitona. E confundimos isso com ‘estar saciado’. Ou seja: pensamos que só com a barriga lotada é que nossa fome vai embora. Raspando o prato, vamos ganhando peso e comendo além do suficiente.
A solução está em perceber que você pode comer o que foi servido, mas que não precisa ‘raspar o prato’. Só que até conseguir fazer isso, você vai por várias vezes deixar comida ali, no prato - comida essa que vai para o lixo, aumentando a culpa por desperdiçar comida.
O DESPERDÍCIO
Desperdiçar alimento é muito ruim, e aprendemos isso desde a infância. Como falei no começo do texto, é comum que as nossas mães nos convençam a comer tudo que foi servido contando que há milhares de crianças sem alimento, e que o alimento que não é ingerido vai pro lixo - enquanto poderia ser oferecido para quem não tem.
Dessa maneira, fica muito difícil abrir mão do que foi aprendido (que desperdiçar é contribuir com a fome no mundo) para aprender a comer na quantidade correta (sem exagero e sem restrição). Porém, você quer e precisa se alimentar de uma boa maneira e também não quer colaborar com o desperdício. O que fazer?
Entender como acontece o desperdício é essencial. Essa imagem do Instituto Akatu resume bem esse caminho:
O Brasil está entre os 10 países que mais desperdiçam alimentos (dados da FAO). Esse é um número alto e a razão dele ser assim não está somente na vasta produção: outras razões justificam sua posição no ranking.
Na colheita o desperdício pode ocorrer por inúmeros motivos. Prejuízos causados pela natureza e pragas são comuns e difíceis de controlar. Mas hoje, com a exigência do consumidor final, vários alimentos já são descartados no momento da colheita pelo simples fato de não estarem ‘esteticamente adequados’. O produtor prefere não passar para o fornecedor, causando um desperdício grande e desnecessário já nessa etapa da produção.
Nossas rodovias não colaboram para o transporte dos alimentos. Estradas em péssimo estado de conservação, ferrovias quase inexistentes, a distância entre colheita e distribuição e mau armazenamento dos insumos são os maiores responsáveis pelo desperdício de alimentos.
PRATO LIMPO?
Na ponta final estamos nós, os consumidores. E raspar o prato não é garantia de evitar o desperdício.
Como citei acima, a necessidade de que as frutas, legumes e verduras sejam perfeitas já é uma forma de provocar o desperdício, já que aquelas que não se encaixam em um padrão estético não são valorizadas - até tu, Brutus?
Na minha opinião, além da questão estética, há um fator muito importante: o excesso na hora de comprar/cozinhar. A maioria das pessoas não tem noção de quantidade/pessoa, e a nossa cultura de ‘como mais melhor’ faz com que a gente não rompa o hábito de cozinhar para sobrar. Se você cozinha uma quantidade grande de arroz e depois de servir sobra ‘só um pouquinho', você opta por comer para não jogar no lixo - e perceba que fazendo assim, você está SE colocando no lugar do lixo!
Portanto, deixa a comida no prato até que você encontre sua saciedade, e comece a preparar e consumir os alimentos na medida correta não vai ser a causa principal do desperdício de 1,3 bilhões de alimento no mundo.
Para quebrar esse ciclo, saber perceber seu corpo e sua saciedade é essencial. Esse trabalho deve ser feito, preferencialmente, sob a ajuda de um nutricionista. E é importante entender que não é do dia para a noite que descobrimos isso: demanda tempo!
Mas até que esse dia não chegue, você pode tentar não se obrigar a limpar o prato. Selecionei algumas estratégias para você tentar em casa (ou fora dela), lembrando que é muito importante o acompanhamento de um profissional!
EM CASA
O desperdício de comida é um problema sistêmico. Para tentar não colaborar com isso em casa, peça ajuda para seu nutricionista te guia em relação a isso. Você não precisa de uma dieta com quantidades pré-determinadas e que você obrigatoriamente precisa seguir. Mas ter uma noção de porção dos alimentos ajuda muito na hora do preparo. Outra ferramenta bacana é a série de posts que fiz aqui no blog, da categoria Põe No Copo. A partir dessas quantidades - que são gerais - você pode começar a montar a sua referência de quantidade para cada alimento.
Aprender a conservar os alimentos é essencial para evitar o desperdício. A partir dessa semana eu irei fazer uma série de posts sobre o assunto, aqui e lá no instagram do blog. Aqui também tem alguns posts ensinando a conservar ervas, cebola e alho.
Se você tem filhos em casa, lembre-se que as crianças geralmente comem uma quantidade diferente dos adultos. A tendência é que os pais sirvam quantidades equivalentes a deles para os pequenos, e por isso eles desperdiçam tanta comida (ou forçamos tanto que eles comam!). Converse com um profissional especializado em nutrição infantil a respeito!
Na hora das compras, faça uma lista. Planeje-se. Você poupa tempo e não compra tantos alimentos desnecessários. E abra um sorriso para as frutas ou legumes imperfeitos. Quem consome orgânicos já sabe que alimentos fora do padrão são tão saborosos quanto aqueles perfeitinhos. Aliás, engana-se que pensa que orgânicos são lindos! Eles podem ter formas, tamanhos e cores distantes da perfeição.
NO RESTAURANTE
Peça para embrulhar o que sobrou. Isso vira almoço do dia seguinte ou jantar do mesmo dia - e como você não conta calorias, sabe que tudo bem repetir o parmegiana no mesmo dia - é o mesmo parmegiana que você comeria no restaurante! A maioria dos restaurantes não vê problema em fazer esse pedido. Você também pode dar essa comida para alguém!
Você não deve satisfação/obrigação para quem está te servindo. É um costume que os garçons e garçonetes perguntem se você não gostou do prato, quando deixa comida nele. Explique educadamente que você adorou mas já está satisfeito. E se não gostou, fale. Esse retorno também é muito importante para o chef.
Alguns restaurantes não gostam de modificar os pratos - e isso não é frescura, é padrão do restaurante. Mas outros não se importam em servir meia porção - alguns cobram 70% do prato, mas de qualquer maneira você vai fazer uma economia e comer bem. Peça ao garçom e aproveite.
Em restaurantes por buffet, comece servindo uma quantidade menor que você está habituado (atenção para a regra de ouro abaixo!). Depois, se sentir fome ou vontade, repita. É melhor do que encher o prato, não dar conta e deixar a comida lá, pedindo para ser devorada junto com a culpa do desperdício.
REGRA DE OURO
“Aumentar não é dobrar e diminuir não é dividir". Comer mais não significa dobrar a quantidade e comer menos não é reduzir pela metade. Se você quer repetir, tudo bem! Entenda que sua fome não está igual quando começou a comer, então porque repetir a mesma quantidade? E se você está com menos fome - ou quer tentar comer menos - comece aos poucos! Diminua uma colher, depois duas… não tenha pressa!
Se você gosta de repetir também não é um problema. Você pode começar se servindo um pouco menos do que o de costume, e depois repetindo um pouco menos também. Algumas pessoas tem o hábito de repetir e gostam disso: muitas vezes é melhor adaptar esse hábito do que trocá-lo.
XÔ DESPERDÍCIO!
Para entender mais sobre a cadeia produtiva, colaborar e aprender sobre como podemos diminuir o desperdício, sugiro alguns sites. Foi através deles que estudei para escrever esse post.
Fruta imperfeita - https://frutaimperfeita.com.br/
Comida Invisível - https://comidainvisivel.com.br/
Banco de Alimentos - https://www.bancodealimentos.org.br/
Instituto Akatu - https://www.akatu.org.br/
Até a próxima!
Marina
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Leia também: http://itm.marcelww.com/inglorious/ - campanha do InterMarché, terceira maior cadeia de hipermercados da França, para a venda de frutas, legumes e verduras imperfeitos. Estes são vendidos com uma redução de 30% do preço