Respeitável Fome

Dos princípios básicos do comer intuitivo está ‘respeitar a sua fome', ou ‘honrar a sua fome’. Isso significa não negligenciá-la, perceber como ela surge, como ela se manifesta, e como ela vai embora, através de sinais e sintomas físicos e comportamentais.

2. Honre sua fome: mantenha seu corpo alimentado com energia e carboidratos suficientes. Caso contrário, você poderá começar a comer em excesso. Uma vez que você atinge o ponto máximo da fome, todas as tentativas de moderar e comer conscientemente se tornam passageiras e ineficazes - retirado do texto ‘Comer Intuitivo - Intuitive Eating - GENTA'.

Depois de muitos anos de dietas, restrições e tentativas de emagrecer, esses sinais de fome e saciedade se perdem. Algumas pessoas só percebem que precisam comer quando estão numa escala ‘10’ da fome: sentem dores de cabeça, tremores, irritações intensas e precisam comer o quanto antes.

(imagem retirada do google imagens, após pesquisa do termo “escala da fome”

(imagem retirada do google imagens, após pesquisa do termo “escala da fome”

Outras pessoas sentem a fome chegando, mas tem muito medo de comer. Talvez pela idéia de que somente a restrição emagrece e que comer vai fazê-las engordar. Mas pense nas suas experiências passadas: restringir, a longo prazo, adiantou? Quem fez uma restrição severa manteve o peso perdido, em paz e livre para fazer escolhas?

E quando o medo é de perder o controle diante da fome? Isso faz sentido. Mas só porque a ausência de controle existe quando você deixa a fome ficar muito, muito grande (nota 3, 2 ou 1). E aí, não tem foco, nem força, nem fé. Se você começa se permitir comer quando a fome começa a aparecer, o descontrole não existe.

FÓRMULA MÁGICA

Não existe uma fórmula mágica para perceber a fome indo e vindo, e muito menos alimentos corretos para se comer quando ela está pequena ou enorme. Se você tem buscado informações a respeito e tem se deparado com regras do tipo ‘coma carboidratos’ ou ‘coma proteínas’ para honrar a fome, está presa num contra-senso, pois não há regras fixas.

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Perceber que você tem fome mas deixar de comer porque comeu muito na refeição passada, também é um grande erro. Dizer que está respeitando a fome quando, na verdade, você está tentando compensar o possível exagero anterior é uma das novas modalidades de fazer restrição e mascarar o fato. É a mesma história de dizer que adotou um ‘estilo de vida saudável' quando na verdade está vivendo nas velhas formas de fazer dieta. Mas fica mais bonito e aceitável dizer que ‘honra a fome’, que ‘se preocupa como a saúde’, assim ninguém enche o saco e tenta te explicar que restrições só fazem mal. É até um jeito prático e fácil de se provar de que está tudo bem. Quando na verdade, não está.

No consultório nós usamos o diário alimentar como ferramenta. Ele funciona literalmente como um diário, onde as pessoas escrevem o que comeram, quando, onde, como, com quem… e pensamentos e sentimentos relacionados a isso. Não é incomum ver diários com esse tipo de padrão:

Jantar (dia anterior): rodízio de japonês, com amigos - 22:00 horas. - Várias peças de sushi, 2 chopps, 1 mini yakisoba, 1 rolinho primavera. 1 fatia de abacaxi de sobremesa. Acho que exagerei, apesar de estar gostoso.

Café da manhã, sozinha, em casa - 07:00 horas: Um chá. Não estava com fome. Talvez porque comi muito ontem a noite. Fui andando para o trabalho (3km)

Lanche da manhã, no trabalho, sozinha, 09:00 horas: um café, estava inquieta.

Almoço, no trabalho, com amigos - 13:00 horas: uma salada de folhas. Ontem comi muito, ainda não senti fome.

Lanche, no trabalho, sozinha - 13:00 horas: 1 pão de queijo e um suco de laranja. Sem conseguir me concentrar, fui na lanchonete do térreo.

Esse diário de uma paciente foi transcrito (com autorização) para demonstrar o quanto a fome aqui está sendo desrespeitada. A possibilidade de alguém ir ao rodízio japonês as 22:00 horas do dia anterior e não sentir fome até as 13:00 é muito, mas muito baixa. Sem falar nas justificativas que nem a pessoa percebe que está dando para negligenciar a fome: “ontem comi muito”.

A análise nunca é feita somente com base em um dia de diário, mas sim considerando todo o histórico da pessoa e vários outros detalhes. Mas fato é que essa compensação ‘comer nada porque comi tudo’ tem vindo cada vez mais disfarçada de ‘respeito a fome’.

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Na prática clínica é fácil ver o que a ciência diz. Respeitar os sinais de fome e saciedade são desafiadores, porém, libertadores. Pessoas que anteriormente se viam obrigadas a comer de 3 em 3 horas perceberam que essa regra nem sempre faz sentido. Pessoas que tinham medo de comer tem se permitido e, pasmem, diminuído os episódios de exagero e/ou compulsão. Pessoas que querem comer, mesmo sem fome, fazem isso sem culpa e com extremo prazer. Não há território pra guerra, pra compensações e exageros.

A mensagem de honrar sua fome vem sendo deturpada por profissionais que continuam querendo incutir as idéias de dietas restritivas nos seus pacientes - uma vez que a magreza é o maior objetivo e virtude do tratamento. Indivíduos com comer transtornado e transtornos alimentares (diagnosticados ou não) encontraram no respeito a fome uma forma de mascarar os mais duros esforços em se manter ou tentar manter num peso/alimentação ideal.

Portanto, se você está em busca do reencontro com seus sinais básicos de fome e saciedade, procure profissionais sérios. Se você percebeu que tem tentado disfarçar medos alimentares através do comer intuitivo, procure ajuda. Há sempre novas formas de pensar e repensar a alimentação.

E lembre-se: COMER INTUITIVO pode, como consequência da sua prática, ocasionar perda de peso, mas não é uma ferramenta de emagrecimento!

Até a próxima!

Marina