Porque "você emagreceu!" não deveria ser um elogio

"Nossa, parabéns! Emagreceu!" ou "Nossa, ela tá linda, emagreceu... uma beleza!". Sei que estamos habituados a ouvir ou falar isso. Existe até uma piadinha (de muito mau gosto, diga-se de passagem) na internet que diz "quem acha 'eu te amo!' a melhor coisa de ouvir nunca escutou um 'como você emagreceu!'". 

Nos perfis de instagram é tão fácil ler um 'lindaaaaa' quanto um 'magraaaaaaaaa'. Como se magra e linda fossem sinônimos. Como se 'magreza' fosse elogio: e na verdade isso é a cereja do bolo da gordofobia. 

"Quer dizer que se eu emagrecer eu não posso ficar feliz?". Claro que pode. Eu, por exemplo, também vibro com meus pacientes que perderam peso, desde que isso seja o resultado de um processo orgânico, feliz e de auto-conhecimento e até de ressignificação. Porque percebo que o peso é só uma parte do processo, que é quando o corpo sai do centro se muda pros subúrbios das prioridades

E sejamos francos, não é tão simples assim. Você não vai parar de vincular emagrecimento ao elogio de maneira automática. Mas vale muito fazer um exercício para mudar isso.

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A equivalência 'magreza = elogio' não só fortalece a falsa idéia de que a beleza mora na magreza como traz a tona as seguintes questões para quem escuta o 'elogio': "quer dizer que antes todos observavam meu corpo com olhares contrariados? " ou "antes ninguém gostava de mim e do meu corpo". 

E junto com a sensação de estar sendo observada o tempo inteiro - na magreza e no sobrepeso - a necessidade de perder mais peso - as vezes mais do que o saudável - toma conta do momento. Afinal, 'quando eu estava acima do peso ninguém notava meu corpo. Agora que emagreci, todos reparam e elogiam'. Emagrecer seria dar continuidade a esse carnaval de elogios ou seria não voltar para aquele local de julgamento e desprezo.

E é logo aí que as coisas podem se tornar perigosas. Talvez o peso perdido esteja de bom tamanho, suficiente para uma boa saúde física e mental, acompanhado de mudanças alimentares super interessantes: mas o reforço positivo do emagrecimento traz o medo de ficar onde se estava antes. E aí o exagero da restrição vem com tudo, nunca estando o corpo bom o suficiente. Sempre na expectativa de uma afirmação social, um elogio, um apontamento positivo.

Além disso, você pode estar elogiando alguém que sofre com uma doença, um transtorno alimentar, um período de depressão ou um momento difícil na vida daquela pessoa. As vezes o emagrecimento vem carregado de dores e angústias mais graves que imaginamos, e não de glamour e alegria.

Não comia, não queria mais ser gorda, ser rude, ser do campo. Não queria ser ninguém. Queria diminuir até ser nada. Como tempo, a Isaura emagreceu até um graveto frágil, triste, a faltarem-lhe todas as hormonas de ser mulher. A Isaura parecia um bocado de gente. A isaura diminuíra

Valter Hugo Mãe - O filho de mil homens

O 'elogio' também vai na contramão de questões tão comentadas e discutidas ultimamente. Mary Wang, editora da Vogue americana comentou, em um dos seus textos: "Pessoalmente, o que mais me incomoda com essa questão é como isso me lembra a implacável vigilância da sociedade sobre os corpos femininos. Mesmo que eu escolhesse não me pesar, nem mesmo olhar no espelho, não seria capaz de escapar do olhar de medição que me rodeia".

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Outro passo importante para mudar isso é perceber que, quando acreditamos que o nosso maior valor está no nosso corpo, vamos atrair somente pessoas que pensam de maneira similar. E essas pessoas nunca estão satisfeitas. Geralmente são egocentradas e vaidosas além do limite, nos levando junto, nessa corrente de sempre querer agradar o outro através da estética. Mesmo o nosso maior valor sendo outro muito mais bonito e fácil de vivê-lo.

Como profissional de saúde, estou em constante treinamento sobre esse assunto. Eu não me formei com essa idéia. Eu fui doutrinada, na faculdade, a ser uma emagrecedora de corpos.

Mas hoje em dia tento sempre valorizar mais ainda as conquistas alimentares e as sensações gostosas que comer bem nos proporciona, para somente depois comentar e celebrar (ou não) uma desejada perda de peso. Quando encontro pessoas que obviamente perderam peso e não me pediram nenhuma opinião, tento me calar, não comentar ou não parabenizar. Aquele corpo não é de domínio meu, e nem as transformações pelas quais ele passa. E quando questionada, tento direcionar minhas observações para o caminho que essa pessoa fez para perder o peso. Se foi um aprendizado interessante, podemos sim conversar sobre isso e, quem sabe, elogiar o progresso. 

Não é fácil, mas é importante tentar.

Algo para se pensar. 

Até a próxima!

Marina

 

Queria deixar aqui o endereço do podcast do Mamilos, sobre gordofobia. Vale cada segundo ouvindo esse conteúdo! https://soundcloud.com/mamilospod/135-gordofobia