Começando o Consultório
Antes de começar o post, gostaria de lembrar o que escrevi aqui é uma opinião PESSOAL, podendo gerar concordâncias ou discordâncias! O que eu geralmente aconselho é baseado nas minhas experiências, e percebendo algumas experiências alheias. A idéia não é doutrinar ou falar o que deve ser feito, mas usar um pouco da minha história e meu repertório para ajudar quem está meio perdido!
Me lembro até hoje quando fui atender meu primeiro paciente. Antes mesmo de tem um consultório, fui até a casa dele. Em BH, na Rua do Ouro. Um amigo me recomendou e lá fui eu, com balança, fita métrica, papel e caneta embaixo do braço. Tinha 23 anos e nunca tinha atendido ninguém - com exceção dos estágios obrigatórios.
Estava com medo? Claro. Me preparei pro momento? Muito! Fiz uma extensa ficha de anamnese. Também não tinha receituário, então fiz um no computador, imprimi e fui.
Chegando na casa do paciente, saquei minha folha de anamnese. Mas quem disse que eu segui? Papo vai, papo vem, fui anotando tudo o que eu achava que precisava no verso da folha. Fiz o peso, as medidas que julgava necessária, peguei o e-mail do paciente e voltei animada pra casa. Montei um plano alimentar, enviei e mantive algum contato.
APRENDIZADO/CONSELHO NÚMERO 1: pra começar a atender você precisa começar a atender. Você nunca vai ter experiência se não se jogar na frente do paciente, escutar, anotar e depois fazer o que acha que é correto. Eu sempre gostei de passar orientações escritas e depois de muito tempo achei meu formato (que mesmo assim vive mudando!). Cada um tem uma maneira de fazer, só que ninguém faz se não começar. Ficar esperando ter a anamnese perfeita, o receituário lindo, o envelope timbrado, as orientações prontas… esquece. Na primeira oportunidade, atenda. A não ser que seja um caso muito específico (alguma patologia, transtornos alimentares e etc), eu recomendo começar.
O QUE EU NÃO FIZ MAS SUGIRO FAZER: converse com quem já começou. Eu tinha muita vergonha de perguntar e, numa das poucas vezes que perguntei, me amarraram informações. A gente tem que parar de ser uma classe que não troca, porque isso só prejudica a nós mesmas. Olhando para trás, eu teria insistido em saber de alguém, faria uma supervisão, algo do tipo.
O paciente fez mais uma ou duas consultas. Depois, sumiu. Fiquei frustrada, achando que o problema era comigo. Eu era inexperiente, e talvez ele não tivesse levado a sério meu papo de ‘você não precisa deixar de comer o pão no café da manhã’. Na época a nutrição funcional estava no auge, e eu me sentia 100% inadequada no mercado de trabalho.
APRENDIZADO/CONSELHO NÚMERO 2: Não se frustre se a pessoa não voltar. É assim até hoje, comigo e com um monte de nutricionista experiente. Se você fez o melhor que podia naquele momento, fique em paz. Com o tempo você consegue identificar melhor as demandas do paciente e acaba sendo mais efetiva, mas isso não significa que todo mundo vai te amar. Vai ter gente que não vai gostar e paciência, você vai ter um dia pior, e algumas pessoas não estarão prontas/afim de fazer o que você sugere. Deixe sempre o espaço aberto para dúvidas, críticas, elogios e reclamações e não se abale na primeira desistência.
O tempo passou e um pouco depois comecei a atender num consultório de um médico muito querido, o Dr. Mauro Kleber. Clínico e Nutrólogo. Ele é pai de uma amiga que formou na faculdade comigo, e juntos escrevíamos no primeiro blog que participei, o Batata Frita Pode. Eu me formei com aquele ranço de médico, coisa que colocaram na minha cabeça durante a faculdade, de “médico não sabe trabalhar em equipe e blábláblá”, mas como ele fazia questão de ter uma nutri, fui sem medo.
Foi um período muito legal, que atendi pacientes que me lembro até hoje! Eu atendia pacientes do convênio médico (ou seja, fazia pouca grana), dava algumas aulas no Senac e atendia também numa academia (apesar de não curtir). No consultório médico nós trocávamos idéias sobre alguns pacientes e seguia firme em não tirar nem glúten e nem lactose de ninguém. Ele me apoiava e dava tudo certo. Sem perceber, aproveitei que não tinha contas pra pagar e, mesmo querendo ganhar mais grana, me dediquei aos atendimentos.
APRENDIZADO/CONSELHO NÚMERO 3: existem médicos e médicos (falo mais disso abaixo). Vários não trocam MESMO informações e, paciência. Outros não tomam a iniciativa de trocar, mas é importante tentar! E digo isso de várias especialidades, inclusive aquelas que medicam os pacientes para o emagrecimento. Antes de falar mal sobre o que o médico fez, minha sugestão é conversar com ele e tentar entender, pois além de ser super anti-ético passar por cima da decisão dele, a gente geralmente não faz o que não gostaríamos que fizessem com a gente. Com o tempo você vai descobrir médicos de confiança e trocarão pacientes de uma maneira muito bacana.
APRENDIZADO/CONSELHO NÚMERO 4: Se você não pode parar sua vida porque precisa pagar conta, faça 2, 3, 4, 19 coisas ao mesmo tempo. Mas não espere sua agenda ficar lotada para começar a atender - até porque, ela só vai encher quando você já tiver começado há um tempo. Conheço várias pessoas que trabalham em UAN e, no tempo ‘livre', sublocam horários em consultórios e atendem quem vai aparecendo. Mas falo mais disso abaixo.
Saí do consultório para mudar pra São Paulo e, chegando aqui, a história tomou outro rumo: saí totalmente da área. Trabalhei em um pastifício, depois em uma start-up e, em seguida, num consultório de outro médico. Lá fiquei por 4 anos, e talvez esse foi o maior aprendizado que tive - e que falo pra todo mundo. Essa clínica que trabalhei não tem NADA A VER com o que acredito. A prioridade do médico era que os pacientes emagrecessem a qualquer custo, nem que pra isso ele tivesse que sugerir pronokal ou ensure. Mas era o que eu tinha! O esquema de pagamento valia a pena, eu podia atender os meus pacientes (que na época começaram a surgir por causa do blog!) e, apesar de não ser o consultório dos meus sonhos, me permitia ir montando minha cartela de pacientes aos poucos. Ficava com medo de me vincularem a imagem dele? Demais! Não concordava e até hoje não concordo com o que é feito lá, mas dancei aquela dança até ter uma agenda consistente e firmar meu pé onde eu tinha certeza que queria ficar.
APRENDIZADO/CONSELHO NÚMERO 5: Não espere o consultório perfeito, com a arquitetura perfeita, o computador mais moderno, a secretária mais prestativa, a mesa mais limpa e a equipe mais alinhada. Muitas nutricionistas que você provavelmente admira também passaram pelo mesmo que eu: trabalharam em consultórios de outros profissionais, com condutas duvidosas e pacientes fora do nicho. O importante é imprimir a sua identidade e, com jeitinho, mostrar o que você faz e como você trabalha. Tem horas que a gente quer explodir de raiva, mas respira que passa.
APRENDIZADO/CONSELHO NÚMERO 6: a internet é um belíssimo cartão de visita. Grande parte do que tenho hoje na minha profissão é graças a esse blog. E você não precisa ter um blog, mas acho muito importante construir um perfil (instagram, facebook, site) que você possa mostrar como você trabalha, o que você acredita. Isso me poupou muito tempo com pessoas que talvez chegariam pedindo dietas super restritivas e desistiram ao observar o que fazia. Vejo muita gente me perguntando: ‘como faço pra convencer o paciente a não fazer restrição?’. Eu não sei responder essa pergunta, porque a maioria dos pacientes já chegam alinhados. E se não chegam, eu já explico como eu trabalho! Mas voltando a internet: dá trabalho manter um canal, existe uma expectativa de números de seguidores e etc… mas antes de se preocupar com isso, foque em colocar algumas coisas que representam o que você faz. Eu GARANTO que não será tempo jogado fora.
A parte boa de atender nessa clínica era a localização. Além de ser numa casa grande e agradável, era perto da minha casa e perto de acessos fáceis para os Paulistanos. Só que chegou um momento que vi que precisava sair. Já estava muito incomodada com as condutas, queria mais autonomia de horário e tinha o conforto de arriscar.
Mudei então para outra clínica, com mais duas nutricionistas.
Durante 6 meses estive nessa clínica que era linda, eu tinha uma sala pra chamar de minha, ir e vir a hora que eu quisesse, uma secretária maravilhosa… estava super animada! Foi uma experiência muito boa, só que durou pouco: o preço do aluguel era alto pra mim e a localização era distante para os pacientes. E de uma certa forma, eu passava o tempo inteiro pensando no pagamento do final do mês, e quando chegaria do dia de eu ia ter ‘a agenda’ para não me preocupar mais. Com isso, ia esquecendo tudo o que eu já tinha conquistado. Trabalhar focada somente no pagamento do aluguel do final do mês e na agenda dos sonhos me consumiu. Antes do prazo imaginado, fiz minhas malas com resignação e fui pra outro espaço (que estou até hoje).
APRENDIZADO/CONSELHO NÚMERO 7: Procure um bom local para você e para os pacientes. Eu entendi aos trancos e barrancos o perfil de quem vai até meu consultório, portanto, não posso estar num lugar longe de transporte público (por exemplo). Estar perto de metrô, para mim, é essencial - e ter um lugar razoavelmente fácil para parar o caro também.
Curiosidade, na minha opinião, é tão valioso quanto conhecimento!
Além disso eu acho importantíssimo definir um período parar ficar no consultório. Antes eu ficava o dia inteiro na clínica do médico. As vezes sem fazer nada, o que me gerava uma frustração. Na outra, estabeleci horários, e vi que ajudou muito, assim eu otimizava meu tempo e criava blocos de atendimentos mais cheios, o que dava dinamismo e me animava quando via um dia de agenda completo.
O QUE EU NÃO FIZ MAS SUGIRO FAZER: não se compare com a agenda alheia! É sério! Ainda mais com gente que tem mais experiência e tempo de mercado que você. Eu me martirizei muito e gastei muita energia com isso. Hoje, olhando para trás (e para o cenário atual), vejo que meu melhor formato de trabalho não é ficando o dia inteiro no consultório, mas sim em períodos. Tenho outras atividades que, se eu dedicar um dia inteiro ao consultório, eu não vou realizá-las (e sempre vou estar infeliz porque a agenda não está cheia).
Hoje atendo em uma clínica que funciona num sistema bom para mim. Continuo estabelecendo os horários que os pacientes devem/podem ser agendados e programo minha rotina para tal. Até mês passado, eu era a única clínica do local. Mas agora, chegando perto da minha licença maternidade, convidei outra nutri para atender também (e assim posso passar meus casos que necessitam de amparo mais constante). Inclusive eu acho ótimo ter outra nutricionista no mesmo espaço, e acho que essa é uma barreira que também precisamos quebrar no nosso meio.
Não estou no cenário perfeito, há muitas coisas que ainda desejo, mas também sei que o perfeito não existe. Preciso ajustar os valores das minhas consultas (depois de broncas de amigas nutris que acham que eu deveria cobrar mais), sonho ainda com minha sala própria, e modificaria alguns detalhes atuais. Mas não me cobro: sei que hoje consigo fazer um bom trabalho mesmo com algumas limitações. Para não me comparar, evito olhar pra quem tem um perfil muito diferente do meu, e procuro trocar vivências e informações com quem confio e que acho que está numa sintonia mais próxima.
A vida de autônomo não é fácil, mas é muito interessante - e pode ser divertidíssimo. Eu me encontrei nos meus atendimentos e hoje as coisas acontecem de uma maneira bem melhor. Depois que tirei o peso da ‘agenda lotada igual da fulana', tudo fluiu. Não trato o consultório como um negócio, não tenho aquele pensamento de ‘como atrair clientes’ ou ‘o que ter na sua clínica para agradar seu cliente’, porque eu não vendo um produto, eu ofereço um serviço. Inclusive eu acho esse papo de ‘como ter uma agenda cheia’ uó. Se esse fosse escolher então, esse seria o conselho principal:
CONSELHO PRINCIPAL: Foque no seu trabalho. Existirão várias dicas (como as minhas) por aí. Fuja de mecanismos: “Como fazer seu consultório bombar” ou “Como deixar o cliente satisfeito”. Preocupe-se em atender bem, não em atender muito. Você pode (e deve!) querer ganhar dinheiro, querer pagar contas, querer uma agenda cheia. Mas o foco não tem que ser nisso, e sim na qualidade do seu trabalho. Você lida primeiro com pessoas, depois com números. E talvez a pessoa que está com os horários mais lotados está passando por cima de valores básicos em prol da conta corrente cheia. E se ela quer fazer isso, ok. Mas avalie o que você realmente quer!
Espero que tenha ajudado um pouco com esse post. Depois vou fazer um sobre formações (pós graduação, curso, etc). Uma dúvida que muita gente tem é: “preciso fazer pós pra começar a atender”, e, eu poderia falar sobre isso aqui, mas ia ficar um post muito longo!
Até a próxima,
Marina