Antes e Depois

“Art. 58 É vedado ao nutricionista, mesmo com autorização concedida por escrito, divulgar imagem corporal de si ou de terceiros, atribuindo resultados a produtos, equipamentos, técnicas, protocolos, pois podem não apresentar o mesmo resultado para todos e oferecer risco à saúde.”

Esse é o artigo do Código de Ética do Conselho Federal de Nutrição (2018), que diz respeito ao famoso formato de foto “antes e depois”, amplamente divulgado nas redes sociais. O código de ética é direto: mesmo com autorização, você não pode fazer uma montagem do seu paciente tirando uma foto na frente do espelho comparando antes e depois - e nem usar a sua imagem para tal.

DIa 4 de julho a nutricionista Camilla Estima fez, no seu instagram, uma postagem sobre isso. E eu fui lá acompanhar os comentários. Só faltou a pipoca e o guaraná para ler o que li por ali.

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Algumas pessoas sugeriram que isso não devia ser problema porque essas imagens forneciam motivação para quem precisa. Outras questionaram que já tem tanta gente de fora do mundo da nutrição fazendo isso, então qual o problema de nós nutricionistas seguirmos nesse caminho? E teve gente que falou que o mundo evoluiu, e que esse tipo de serviço é essencial para a divulgação do trabalho.

Mas será que essas justificativas são razoáveis? Coloco aqui minha análise sobre o assunto.

Motivação, blogueira fitness e comparação

Depender de motivação externa é algo muito complicado. Ser motivado pelo resultado de outra pessoa, mais ainda. Isso porque essa motivação externa não vai continuar para sempre, e na hora que ela findar, como você vai seguir seu caminho? Buscar um resultado estético para agradar aos olhos externos é comum: vivemos num mundo que julga, condena e dificulta a vida de quem está acima do peso. Mas esse tipo de incentivo não é sustentável. Quem já perdeu muito peso sabe que uma hora o confete acaba: todo mundo elogia e parabeniza assim que acontece, mas depois deixa de ser novidade, e os elogios cessam. Se você não estiver muito alimentado pelo seu propósito interno, você vai querer continuar mudando até receber de novo aqueles likes, e aí mora um perigo grande: o de perder a mão da alimentação e continuar/começar com grandes restrições. Durante o processo também há o risco de se negligenciar todos os sentimentos de culpa e angústia que uma dieta acompanha, em prol do elogio externo.

Outro ponto importante: nenhum resultado é igual o outro. Não é porque o paciente #orgulhodanutri perdeu 10kg de gordura e está com uma barriga ótima que você vai ter a mesma taxa de ‘sucesso'. Inclusive você pode até conseguir um resultado (em números) equivalente, mas não garante que seu corpo ficará daquela maneira.

Na minha opinião, a foto de antes e depois sugerindo que todos são capazes, é a vender uma grande ilusão -para não usar a palavra mentira. O profissional de nutrição pode ser o melhor de todos no poder de motivar com palavras de força, foco e fé; ou ser o carrasco que você (acha que) precisa. Nada disso garante que o jeito dele trabalhar e ser funciona para você. Sabemos que o ganho e a perda de peso tem fatores multifatoriais para acontecer e, alguns deles, nem tratáveis pelos nutricionistas são.

Já pra justificativa ‘se a blogueira fitness faz, porque eu vou fazer’ tem aquela velha resposta de mãe: você não é todo mundo. Se propor a fazer algo que alguém sem preparo técnico nenhum, que não gastou as horas na faculdade, o dinheiro do xerox, o perrengue das provas, a chatice das matérias inúteis é, basicamente, desvalorizar o próprio trabalho. E o pior de tudo é que tem muita gente que se justifica dessa maneira e vive reclamando que nossa profissão não é valorizada: claro que não é! Nós mesmos, quando esquecemos de todo o caminho trilhado até ter o diploma, estamos nos desvalorizando.

Mas eu tenho uma sugestão para quem tem esse tipo de raciocínio: rasgar o diploma de nutrição e virar coach fitness! É um caminho fácil, não precisa pagar mensalidade de universidade (ou prestar ENEM), não tem TCC, não tem que pagar a taxa do CRN (que apesar de redigir esses códigos de ética deixam muito a desejar!) e nem precisa ficar 4 ou mais anos indo a aula todo dia!

Abrir mão do título parece difícil, mas toda escolha requer uma renúncia. Eu também não concordo com várias coisas do código de ética (e do conselho que nos fiscaliza), mas nesse ponto eu não poderia concordar mais. E sigo com a minha opinião de quem está se comparando com blogueira fitness deveria, de verdade, reavaliar se quer ficar na profissão.

Real, virtual e lembrete final

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Pra finalizar, aquele lembrete: nem tudo que reluz é ouro. Não é porque a foto tá lá que ela é verdadeira: photoshop, manipulação de aplicativos, ângulo de fotogafia, manipulação de números e pacientes com peso desejado mas saúde a desejar são super comuns nas redes. Olhar para o instagram e comprar uma montagem de fotos como um produto é incoerente e arriscado.

Além disso é sempre bom lembrar que somos nutricionistas e não emagrecistas. Podemos ajudar sim os seres humanos a emagrecer, mas isso não é a atividade exclusiva da nossa profissão. Evitar que os transtornos alimentares aumentem e piorem, estabelecer uma boa relação com a alimentação, ajudar na reconexão com sinais biológicos de fome e saciedade também são nossa função. Estabelecer boa saúde também? Claro! Mas isso não é diretamente proporcional aos resultados postados com a hashtag #orgulhodanutri.

Até a próxima,

Marina