Meu pai me ensinou a ser mãe

Com 9 meses de gravidez, ávida pela chegada do meu primeiro filho, o João, perdi meu pai, o Cézar.

Com quase 71 anos ele sofreu um AVC que, em poucos dias, me fez pensar sobre o significado do termo ‘amor de mãe’.

Quando engravidamos, todos nos falam que esse amor é algo abissal. Que você faz qualquer coisa por um filho. Nunca duvidei, mas sempre tive interesse em entender como era esse sentimento. Não acredito nessa idéia romântica de maternidade, e talvez por isso eu estava curiosa para entender o tal amor de mãe.

No momento que soube que haveria uma grande possibilidade do meu pai ficar com sequelas que o impediriam de seguir a vida dele da maneira que ele gostava, ressignifiquei a palavra ‘vida’. Pensei se ele gostaria de viver sem poder realizar tudo que sempre realizou, assistindo a vida somente através dos seus óculos. Isso não seria justo com ele. Após poucos dias me questionando e concluindo que nada era tão cruel quanto isso, a morte lhe tirou o peso de uma pseudo-vida.

Meu pai era um homem simples, honestíssimo e extremamente generoso. E não é daquelas pessoas que se torna boa após a morte, ele sempre foi reconhecido por essas características ainda em vida.

Meu pai, cuidando das ‘filhinhas’ dele

Meu pai, cuidando das ‘filhinhas’ dele

 Depois de trabalhar muito como engenheiro, assumiu de vez o grande hobby: cuidar das suas vacas e flores. E sonhar com o universo. Ateu, graças a Deus, procurava na ciência e nos astros a explicação para a pergunta ‘de onde viemos e para onde vamos?’. De uma inteligência emocional ímpar, tinha o termo gratidão, hoje tão utilizado pelas redes sociais, presente na sua vida. Tudo sempre estava bom, e se não estivesse, não ficava se lamentando. A vida é assim mesmo.

Dos presentes que meu pai me deixou, acho que o mais importante foi a liberdade. Nossa família não tinha tempo para obrigações. Dia dos pais, dia das mães, natal, páscoa... passava junto quem queria, o companheirismo não moravam e não moram nas convenções sociais ou na presença intensa e forçada.

Nas minhas escolhas individuais, ele também nunca interferiu muito. A decisão da faculdade, dos cursos pós formada, da mudança pra São Paulo, do casamento... todos esses momentos que, geralmente, as pessoas sofrem pressões familiares, ele não me fez sentir nada. Meu pai queria que eu crescesse, tomasse minhas decisões, vivesse com os frutos delas e fosse feliz. Mas, ele sempre dizia: “depois não vá dizer que a cigana te enganou”, fazendo referência as possíveis escolhas que fazemos, e as consequências destas.

 Foi através dele que fui conhecer Mlodinow e a aleatoriedade da vida, deixando de lado boa parte das crenças que tinha a respeito do destino. Isso me ajudou mais ainda a entender sobre as oportunidades que recebemos e criamos.

Dentre as várias coisas que ele me ensinou, algumas me vem mais a mente nesse momento: o poder de um bom cochilo, a importância de fazer as coisas caprichosamente, como ouvir e curtir Chet Baker, Omara Portuondo, Buena Vista Social Club e Holly Cole. Também me ensinou a empinar pipa, dirigir, gostar de um bom doce de leite e ser fiel aos meus sentimentos.

um raro momento sem óculos

um raro momento sem óculos

 Herdei dele os dedos finos e compridos, a feiura dos pés, a pele pigmentada, a miopia, e agora, nesse momento de dor, também reconheço a resignação dele em mim.
E foi assim que percebi que meu pai me ensinou a ser mãe. Estou transformando toda dor do luto em força para meu filho se manter firme e forte até a hora certa, e vir ao mundo com muita alegria e saúde.

Estou acolhendo meu sofrimento, minha tristeza e minha revolta,  mas imaginando como ele me reagiria se estivesse no meu lugar. Certamente, com toda sua calma e ceticismo, diria que a vida é assim mesmo, não tem hora certa ou errada, e que já já o João chegará pra alegrar todo mundo.

Faltando algumas semanas para nascer, o João, junto com o Cézar, foram capazes de formar uma dupla infalível em me ensinar o significado da palavra vida.

Ele poderia ter ficado mais? Poderia. Seria ótimo vê-lo com o neto, com a Juju, tudo isso com aquele jeito meio desajeitado que ele tinha quando tentávamos abraçá-lo. Mas vai ser ótimo guardar tantas recordações e tanto orgulho dessa pessoa que ele foi - e ainda é. Adorei ser filha do meu pai, e vou adorar ser mãe do meu filho, podendo ensinar para ele tudo que aprendi com aquele avô distraído e dorminhoco.

Não consegui dizer tudo o que eu queria nesse texto, mas fica aqui a minha homenagem para ele, que também sempre me incentivou a ler e escrever, e que gostava do meu apreço pela escrita. 

Vai fazer falta, mas ainda vai nos trazer muita alegria!

Obrigada tiquinze!