Papo de consultório: mães, exageros e perda de peso

Eu tenho uma cliente querida que vive lutando para não comer demais. A questão dela não era a qualidade, era a quantidade. Ela sempre comeu super bem (se falarmos da qualidade nutricional dos alimentos): pouquíssimos industrializados, doces na medida certa, muita fruta, muito legume, muita verdura, muito produto feito em casa. Mas sempre se incomodou com o exagero: "as vezes eu acabei de almoçar e como 4 ou 5 frutas, já cheguei a 5 copos de iogurte com bastante granola". A gente foi percebendo que o problema era sempre depois do almoço. E quando ela ia visitar a mãe - que mora em outro país.

Como eu disse, a gente fez vários exercícios super legais: pra ela entender a fome, pra encontrar seu ponto de saciedade, para respeitar mais o alimento e seus desejos... E até aí ela conseguiu ótimos resultados, mas o problema pós almoço permanecia ali, encravado.

Até que um dia ela me contou um pouco da história da sua família: um pai com um problema de saúde mais sério, um irmão também sofrendo de problemas psiquiátricos graves e uma mãe cuidando dos dois sem a ajuda da filha que sempre esteve ali. "Veja bem Marina, muita gente tem problemas, eu sou só mais uma dessas pessoas. Eu me acho até muito calma, e sei lidar com essa situação", ela se justificava com uma paz de espírito que poucas pessoas já me passaram.

"Minha mãe me liga todo dia pra falar dos problemas. Eu virei a psicóloga da minha mãe. Eu mudei até minha rotina por causa dessas ligações: As 13 horas eu sei que vai tocar o telefone, então não marco nada as 14 horas. Porque quando começa a conversa, lá se vão 40 minutos entre choro e desespero do outro lado da linha".

EUREKA

O problema de comer depois do almoço estava explicado. Depois de 40 minutos lidando com uma mãe desesperada, ela tinha que se premiar ou aliviar de alguma maneira. E o jeito que ela fazia isso era comendo. Assim mesmo, sem perceber. A ansiedade ou angústia dela não transpareciam, mas apareciam naquele exagero pós almoço.

Quando sinalizei que isso poderia estar acontecendo, começamos a fazer uma lista de coisas que ela poderia fazer depois do telefonema da mãe para extravasar: meditação, mudar o horário da academia, descer com o cachorro, ler algo que ela gostasse, lavar as louças. Várias deram certo, mas todas vinham seguidas da tal 'fome que não é fome" (nome que ela deu para essa sensação).

Cansada de bater na tecla de todos os conselhos teóricos que a gente lê sobre comportamento alimentar, me veio uma luz: começar a almoçar depois do telefonema. Já que o almoço, para essa pessoa, tem extrema qualidade e de fato é uma refeição que ela gosta de comer numa quantidade aumentada, o segredo tinha que estar ali.

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E assim fizemos: coordenamos sua alimentação de uma maneira que ela conseguisse chegar depois do telefonema sem uma fome voraz e que ela pudesse comer não só para se satisfazer, mas também pra alimentar as emoções. E deu certo.

A gente vê muito conselho na internet, para tornar nossa alimentação menos emocional. E faz total sentido: as vezes comemos por tudo, menos por fome. E isso nem sempre é legal. Em contrapartida, somos seres humanos. Movidos de emoções e vontades.

Eu sou a primeira pessoa a defender o direito e o dever de entender nossa relação com a comida, de tornar o ato de se alimentar menos sintomático e mais intuitivo. Mas as vezes, precisamos lutar com as armas que temos. Talvez a energia que você gasta aturando seu problema é tão grande, que não cabe espaço para tentar mudar rapidamente sua forma de (re)agir perante ele: não tenha culpa. Ninguém é perfeito e consegue fazer tudo ao mesmo tempo, da maneira que manda o figurino.

Para mim a história dessa cliente é a perfeita ilustração disso: não é o melhor momento de parar de comer para lidar com a angústia, mas pode ser o melhor momento para usar a comida ao seu favor.

- E você, já parou para perceber sua fome? -