Corpos Olímpicos

Na nossa sociedade, ser magro é um grande valor do ser humano. Crescemos com a crença de que o formato do nosso corpo é um determinante do nosso caráter, assim como das nossas capacidades físicas e intelectuais. A pessoa magra é caprichosa e obstinada. A gorda, é preguiçosa e pouco determinada (e o nome disso é gordofobia).

Além dessa associação, há os dados que relacionam saúde com o tamanho do corpo ou com partes dele - IMC e circunferência abdominal, por exemplo, são parâmetros que correlacionam de maneira diretamente proporcional o peso e o risco de adoecimento.

imagem retirada do pinterest

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E é assim que apendemos a julgar o corpo gordo ou ‘não magro’ como inadequado, preguiçoso e/ou sem saúde, aumentando portanto o desejo por um corpo dentro do padrão, que simboliza capacidade e triunfo.

Tento sempre, na minha prática clínica, trabalhar com os pacientes as multi funções do nosso corpo. Afinal, a ‘beleza’ ou ‘conformidade’ é apenas um adereço muitas vezes não opcional. E para sermos aceitos, frequentemente nos submetemos a desgastes físicos que tem como objeto responder a um padrão, mas que não nos tornam mais fortes, inteligentes ou mais rápidos, por exemplo.

Os jogos olímpicos são excelentes para extrapolar as nossas percepções corporais. Se reconhecer diante da diversidade e universalidade humana é essencial, sobretudo quando falamos de uma ‘diversidade’ que enxerga o belo de maneira tão padronizada.  

Quantas mensagens eu recebi durante os jogos olímpicos, de homens mulheres que se identificaram com corpos de atletas olímpicos, admirados também com a capacidade funcional deles. E é assim que temos a percepção, mesmo que por um átimo, de que a beleza física é só mais uma característica do nosso corpo – muito subjetiva, diga-se de passagem.

Se enxergar no outro é como olhar para um espelho. Sendo assim, quando uma pessoa infeliz com a própria imagem admira um atleta  com atributos físicos que não dependem de beleza, é um lembrete de tudo que o corpo humano é capaz, e que isso independe de forma, tamanho e adequação estética.

Além disso, esse reconhecimento carrega algo muito importante: a percepção de que se é capaz – e que a idéia do ‘gordo sem força de vontade’ é muito mais um julgamento do que uma verdade absoluta. Afinal, a rotina desses atletas é baseada em disciplina, organização e foco. Alimentação, sono, treinos: tudo é coordenado para que aquela pessoa consiga representar o que existe de mais incrível no mundo dos esportes. Portanto, são indivíduos metabolicamente saudáveis e surpreendentemente determinados.

Nossas atletas do vôlei de praia do Brasil

Nossas atletas do vôlei de praia do Brasil

Qbservando a rebecca Cavalcante, atleta do vôlei de praia feminino, eu penso em quantas mulheres tem o corpo similar ao dela, mas não tem coragem de colocar um biquíni e se acham super infelizes. Enquanto isso, ela entra na quadra com uma confiança incrível.

Afinal, um atleta olímpico tem que, além de tudo, acreditar que ele é capaz..

Outro exemplo que me vem a mente é o atleta Darlan Romani, do arremesso de peso. Ele foi para a final da competição desse ano, depois de terminar em 5°lugar nos Jogos Olímpicos de 2016, ser 4°lugar no Mundial de 2019, e conquistar o campeonato no Pan de 2019. Um homem de IMC quase 40, sendo observado e admirado por diversos espectadores. Provavelmente, ao sentar no restaurante ‘a paisana’, deve receber olhares que entregam o julgamento sobre o tamanho do seu corpo.

Esse são apenas dois exemplos de pessoas que carregam consigo não só a capacidade de chegar mais longe, como também a representatividade que toda pessoa que sofre com a pressão estética contemporânea precisa e merece.

Ver os jogos olímpicos nos fazem lembrar de outras capacidades físicas que também independem da beleza estética.

O corpo humano também se diverte, como ficou claro ao ver as meninas do skate – em especial a Fadinha, nossa medalhista brasileira, e Alana Smith, pessoa não binária e com um corpo fora do padrão esperado.

Ele é capaz de uma generosidade incrível, como demonstraram Mutaz e Gianmarco, ao dividir a medalha de ouro no Salto em Altura.

Ele quebra recordes, como mostrou a velocista Elaine Thompson-Herah.

Ele também é um corpo vulnerável, e muitas vezes pede socorro e ajuda, como fez a atleta Simone Biles ao abrir seu coração a respeito da sua saúde mental.

Esses jogos olímpicos se tornaram um momento de reflexão para muitas pessoas. E tudo isso com um símbolo muito importante: o corpo humano. A beleza de um título – e até de uma derrota, inerente a toda competição - representa tudo aquilo que esquecemos de perceber quando olhamos para o espelho com nosso olhar tão crítico.

Nós não nos sentimos bem todos os dias, todas as horas. Nem é a minha intenção te colocar em outra prisão: a do amor próprio a todo custo. Mas toda vez que seu julgamento te paralisar, lembre-se dos jogos olímpicos, e das possibilidades tão belas que o nosso corpo é capaz.

 Até os próximos jogos!

Marina

marina nogueira