Balança é equilíbrio?

Fiz uma enquete outro dia. Perguntei quem tinha balança em casa, desde quando se pesavam com frequência e com quem haviam aprendido. 60% respondeu que tem balança em casa. Desses 60%, 27% disseram que se pesam desde a infância, e 54% das pessoas que se pesam desde a infância disseram que aprenderam o hábito vendo os pais se pesando.

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Se pesar pode ser bom ou ruim: há quem se beneficie do ato de subir ba balança de tempos em tempos, porque isso pode auxiliar a se manter num peso que elas julgam interessante, na ausência de restrições e dietas. Sabe aquela pessoa que tem uma boa relação com a comida, não vive de dieta, nunca tem alterações grandes de peso e vive uma relação de neutralidade com o próprio corpo? Se você é essa pessoa - ou seja, não sofre pra se pesar, não se escraviza pelo número e mantém um peso sem grandes oscilações de número e comportamento - siga no seu hábito.

Se você é a pessoa que depende desse número para escolher como será sua alimentação, e seu humor depende disso: hora de repensar a balança. Tem muita gente que quando vê que ganhou peso faz restrição, e quando vê que perdeu peso, aproveita para ‘celebrar' ou restringir ainda mais. E nenhuma das duas atitudes faz sentido nenhum.

O ato de subir na balança também pode provocar muita ansiedade. Tem gente que gostaria de estar com um peso menor, com um corpo menor, mas não se pesa há anos. Tem na memória aquele número de anos atrás, quando a vida era diferente. Ao subir na balança e ver que esse número mudou, o sofrimento é intenso. Para uns, tão intenso que decisões drásticas são tomadas nesse momento: dietas malucas, remédios sem necessidade, e até piora em quadros depressivos e ansiosos.

Não há uma fórmula certa para se pesar: 1 vez por semana, 1 vez por mês, todos os dias… Subir e olhar o número lá pode afetar muito ou nada - depende de cada um. Mas de maneira geral, eu não acho fundamental.

Uma vez que subimos na balança e ficamos presos num peso objetivo, esquecemos do nosso corpo. Damos lugar a um número ao invés da nossa consciência corporal. Quem nunca se sentiu melhor na própria pele mas ao subir na balança não viu mudança e se sentiu frustrado? E quem nunca está satisfeito, apesar de toda as coisas ao redor estarem muito bem, obrigada?

O hábito de se pesar é aprendido desde cedo. Conforme os números mostraram, grande parte aprendeu a se pesar vendo os pais se pesando. Tratar o vínculo com o número da balança como algo normal pode ser perigoso.

Uma pesquisa* feita com meninas entre 10 e 24 anos mostrou um resultado alarmante: 46% delas afirmaram crer que pessoas magras são mais felizes. A pressão para emagrecer, a idéia de que viver de dieta é normal, é aprendida desde cedo, pela mídia e dentro de casa. E uma das formas de viver isso desde sempre, é vendo os pais subindo diariamente na balança.

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Converso muito no meu consultório sobre as cobranças sobre peso e hábitos de dieta. A maioria das pessoas começou cedo nessa vida, influenciadas por pais que também acreditavam na necessidade do corpo padrão e numa alimentação perfeita. Sempre falo que não dá pra voltar no tempo e explicar para esses pais que, mesmo agindo com zelo, essa cobrança poderia trazer consequências ruins. E não dá para culpá-los: na grande maioria eles estavam com boas intenções.Porém, dá pra pensar no que vamos ser daqui para frente.

Se você chegou no final desse texto e reconheceu que sua luta diária com a balança (e com o corpo) é uma herança familiar, te faço um convite: você pode não conseguir desconstruir e reconstruir tudo isso de maneira completa. Mas você pode passar a mensagem de uma maneira diferente para seus filhos, sobrinhos, amigos, alunos, e qualquer outra pessoa que esteja perto de você.

Quando estiver em contato com alguém que cobre muito da criança para que ela seja magra, faça comentários que relacionam insucesso com gordura, conte sua história. Fale da sua auto-estima, da sua ansiedade em relação a comida, das suas crenças e o quanto isso já te fez sofrer e desacreditar que era capaz de milhares de coisas. Lembre essa pessoa que as crianças confiam nos adultos (sobretudo nos pais e educadores), e reforçar a idéia de um corpo padrão é proporcionar a ela a mesma vida que você, por tanto tempo, levou. E que se isso resolvesse, não teríamos uma taxa tão grande de obesidade, sobrepeso e transtornos alimentares no mundo.

Quando estiver com alguma criança, por mais difícil que seja, tente tratar a alimentação com normalidade, neutralidade. Não estou falando para ‘liberar geral', porque a idéia não é essa. Mas é deixar de lado a mentalidade de dieta e não incutir a idéia de comida ‘do mal’ e ‘do bem’ numa criança. Tente não falar de dieta, de vincular gordura a fracasso, e reforçar a idéia de que viver de dieta é normal. É muito difícil para muita gente, mas mais difícil ainda, é ver uma criança que você ama tanto passando pelas mesmas dificuldades que você passou e talvez ainda passe!

Até a próxima!

Marina

*Pesquisa realizada pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, em 2014.

*Se você tem algum transtorno alimentar ou acredita ter, converse com o especialista sobre se pesar ou não se pesar!

*Se você continua em dúvida se deve ou não se pesar, converse com um profissional de confiança!