No Netflix: Homecoming

Homecoming é o filme/documentário sobre o show de Beyonce no Coachella de 2018. Após um tempo fora de turnê, Beyoncé retornou como atração principal no palco do festival californiano. Como a primeira mulher negra a ocupar essa posição, Beyoncé preparou um verdadeiro show, que fez Khaled apelidar o evento de Beychella, tamanho o espetáculo.

O show não marca somente a volta da diva pop, mas também é uma grande oportunidade de reflexão sobre os negros. Beyoncé convidou estudantes negros de universidades historicamente negras para compor a grande banda universitária, que compartilhou o protagonismo com a cantora.

As mulheres também são lembradas nas letras apresentadas, como Run the World, Flawless, entre outras. É um show de cor, música, dança, e até quem não é fã da Beyoncé fica de boca aberta.

Mas em uma das cenas, Beyoncé entra num tema polêmico: dieta.

Após uma gravidez de gêmeos (e de risco), Beyoncé chegou aos 99 quilos. Ela então conta que se submeteu a uma dieta sem pão, carboidratos, açúcar, laticínios, carne, peixes e bebidas alcoólicas. A justificativa: ela não estava se reconhecendo naquele corpo, e parte do processo de uma coreografia consiste no reconhecimento em si mesma. Em determinado momento, quando ela consegue entrar em um figurino antigo, ela comemora e liga para o marido, feliz com o feito.

Em determinado momento ela também assume que foi além dos limites, e que esse sacrifício não será feito outra vez. Sob as velhas formas, Beyoncé sobe ao palco, poucos dias após dar a luz, com vários quilos a menos.

Nos artigos e críticas que li, muitas palmas para Beyoncé. Eu fiquei eufórica vendo o filme. Ela é uma super artista, mega dançarina e uma cantora incrível. Ver a participação dela pela idéia do espetáculo, sua força para ensaiar mesmo em um momento tão delicado, é realmente incrível. Mas a parte da dieta que me deixou com uma pulga atrás da orelha.

Em primeiro lugar, eu entendo que ela precisa retomar o pique. Não é simples se manter tanto tempo em cima de um palco, cantando e dançando, sem um baita preparo físico. E no pós parto, é desafiador. Mas pique e antigas formas corporais são coisas distintas. Podemos sim ter agilidade, força e fôlego com diversos pesos. Quanto mais pesada, mais difícil? Talvez. Mas será que era realmente necessária uma perda tão grande?

A valorização do esforço da Beyoncé pode realmente ser ovacionado, mas também precisamos entender a diferença entre esforço e sacrifício. O que ela fez, está mais pra segunda opção. E sacrifícios envolvem muito sofrimento. Além disso, ela é uma artista. Se basear no que a Beyoncé fez para a recuperação de um peso ou forma corporal pelo simples prazer é irresponsável e incoerente. Se em algum momento que você assistiu o vídeo e ficou tentada a replicar a idéia, faça um único exercício antes: “O que eu e Beyoncé temos em comum? Os ganhos que eu tenho são os mesmos que Beyoncé teve no Coachella?”.

Também pensei muito no dia que fiz um stories falando sobre o documentário e recebi mensagens do tipo: “mas ela é artista, o corpo é o instrumento dela, ela precisa estar bem'“. Concordo que Beyoncé não é somente uma cantora. Um bom desempenho físico é necessário, e estar bem, para esse tipo de artista, é ser capaz de cantar, dança e representar. O corpo curvilíneo e/ou magro é só mais uma demanda social. Enquanto continuarmos pensando que artistas devem ser seres perfeitos, de corpos e curvas perfeitas, eles continuarão procurando, incessantemente, essas formas. E nós continuaremos querendo o mesmo que eles. Um ciclo que não se quebra jamais.

Se Beyoncé decide subir ao palco vestindo 100% do seu espírito feminista, e se preocupa em dar o melhor, com ou sem uma antiga forma corporal, seria não só aplaudida, como reforçaria seu discurso tão bem descrito em tantas músicas.

Ela diz que não vai mais se submeter a isso, e eu fico na torcida. Beyoncé é realmente uma diva, que fez um show tão representativo, forte e visceral, que deve ser celebrada em todos os aspectos, além do seu corpo. As virtudes de Beyoncé vão além das torneadas penas e do perfeito rebolado.

Beyoncé run the world!