Gravidez, alimentação e expectativas

“Tudo bem se você virar uma comedora de Club Social”, foi o que a médica falou na minha primeira consulta pré natal. Com 4 semanas de gravidez e ainda sem nenhum sintoma, saí do consultório pra casa tranquila e pensando sobre minha organização alimentar nos próximos meses.

Como já mencionei algumas vezes, nunca tive questões com a minha alimentação. Acredito que minha facilidade de lidar com o tema se deve mais a esse bom  relacionamento com a comida do que ao fato de eu ser uma nutricionista que nunca acreditou em modismos e dietas.

Para mim não existe o lance da culpa. Mas isso não quer dizer que eu como sem pensar! Eu faço escolhas e tenho total noção do que vai me fazer bem ou mal. E obviamente, procuro me alimentar de uma maneira saudável e equilibrada.

Na gestação não seria diferente. Portanto, no final de semana que seguiu a consulta, cozinhei feijão para deixar congelado e organizei mentalmente meu cardápio. Faço isso habitualmente, mas nesse período, estava disposta a dar um pouco mais de atenção, sabendo que meu corpo iria se beneficiar de uma alimentação mais estruturada e refeições mais completas (o famoso ‘arroz, feijão, carne e salada’). 

Na segunda feira descongelei o feijão, preparei o arroz, a carne e umas abobrinhas. Servi o prato e... nada. Na primeira garfada, senti que não ia rolar. Não sabia explicar o que aconteceu mas, apesar da fome, a comida tinha um gosto estranho que não me permitia comer. Tentei forçar e realmente não rolou. Preparei pão, queijo, tomate sal e azeite e mandei brasa. De sobremesa, o cafezinho também não desceu – mas a vontade de tomar um suco de limão foi grande.

A partir desse dia, comecei a entender que a aversão alimentar ia me pegar de jeito, das maneiras mais inesperadas. Conversei com algumas amigas que já haviam passado pela experiência da gestação e a maioria foi categórica: tem coisa que o corpo realmente não quer saber.

A partir daí foram mais 5 ou 6 semanas de muita aversão alimentar. De manhã eram os enjôos – sem vômitos, mas que incomodavam meu café. Depois, uma fome maluca, que também me enlouquecia para descobrir o que ia conseguir comer Na hora do almoço, a dúvida: adeus ao planejamento, pois precisei começar a preparar a comida para entender o que ia rolar, respirando fundo pra entender que a comidinha fofa colocada no prato ia ter que dar lugar a outras coisas.

Milho verde, pão com maionese, cheeseburguer do McDonald’s, guaraná antártica, açaí, maçã, abacaxi, macarrão alho e óleo, coxinha e batatinha palha eram os protagonistas do meu cardápio. Esqueça aquela foto clássica da grávida feliz comendo salada. Eu era a grávida mau humorada comendo o que dava – e não tenho vergonha nenhuma em admitir isso.

Então começaram as minhas reflexões sobre esse período que gera tanta fantasia no imaginário das mulheres. Passada a fase difícil, decidi escrever sobre isso, considerando minha experiência no consultório com outras gestantes, a observação do meu próprio corpo e minhas percepções sobre as informações divulgadas acerca desse assunto.

O ‘Milagre’ da gestação

 O primeiro ponto a abordar é a expectativa que as mulheres tem de que a gestação é um momento transformador. Bem, de fato ele transforma seu corpo. Mas não é mágica. Vejo muitas (muitas mesmo!) mulheres no consultório acreditando que, a partir do momento que estiverem grávidas, vão mudar sua relação com a comida da água pro vinho. É possível? É. Mas isso acontece com a minoria. Primeiro porque são 9 meses de muitos acontecimentos biológicos e psíquicos para transformar uma relação (desgastada) de anos com a comida. Imagine você que antes mesmo da primeira menstruação já era doutrinada a sentir culpa quando comia um doce agora, 20 ou mais anos depois, mudar totalmente esse modus operandi

imagem retirada do google imagens

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“Ah Marina, mas agora estou gerando uma vida”. Eu sei. E por isso mesmo seu corpo vai mudar muito. Você pode dar a sorte de passar ilesa aos efeitos do betaHCG e outros hormônios da gravidez, mas pode ser contemplada com enjôos, vômitos, aversões alimentares e vontades repentinas (e bizarras) de comer. Fazendo parte desta turma, não há preocupação com a vida que está sendo gerada que vai te fazer estabelecer uma alimentação perfeita. Nesse momento tudo o que você quer é não passar mal e arrumar algo que alimente pra manter você de pé.

Gestantes tendem a preferir alimentos secos e salgados (por isso o Club Social mencionado pela minha médica) e azedos e gelados. Torradas, limão, tomate e sal, pipoca... Pra muita gente não existe espaço pra comida harmonicamente prescrita pela nutricionista, que se preocupou com sua nutrição e a tal ‘programação metabólica’ do neném. Certa vez uma paciente me contou que depois de tentar todas as torradinhas e pãezinhos naturebas e saudáveis, ela foi parar em 5 humildes batatas Pringles, que asseguravam que ela não ia vomitar tudo o que não existia no estômago dela logo pela manhã.

Ronald McDonald me salvou em alguns almoços

Ronald McDonald me salvou em alguns almoços

Enquanto eu estava lá sofrendo com o mal estar e sem acreditar que aquilo ia passar eu pensei o quanto deve ser difícil passar por esse momento quando a culpa é companhia número um na alimentação. Para mim, que sou imune a esse sentimento, já me incomodava um pouco não conseguir comer conforme o planejado: imagina para quem se sente culpada quando nada sai como o esperado?

 

O corpo da gestante

Das maiores preocupações das gestantes (ou tentantes) no consultório está aquela que assombra a vida das também não grávidas: a balança. É sabido que o ganho excessivo de peso na gestação aumenta o risco de vários problemas, mas isso não quer dizer que você precisa tentar ficar igual a prima da sua vizinha que só ganhou 5kg.
Comer por dois não é recomendado, mas transformar a gravidez numa grande restrição também é contra indicado. E não há um consenso sobre o ganho: tudo depende do peso pré gravídico, da história de saúde da gestante e outros fatores. Mas a questão que vim discutir aqui não foram os números, e sim o corpo.

O corpo da mulher passa por grandes transformações durante esse período. Algumas são divertidas e curiosas, outras desagradam (você não é obrigada a amar tudo o tempo todo!). E cada uma tem um tempo e uma maneira diferente de vivenciar todas as mudanças. O meu corpo nunca foi um mistério para mim, portanto aproveitei esse período para perceber cada mudança enquanto a barriga não aparecia.

E foi nesse momento que também pensei muito nas pessoas que se vêem presas somente ao número da balança e que tem uma imensa dificuldade em lidar com mudanças físicas. Será como elas reagem a esse momento de pouco controle sobre o corpo e muita transformação? Como falou muito bem minha médica, a gestação pode ser conflitante, mas também é uma ótima oportunidade de revisitar o próprio corpo. E eu sumariamente concordei.

Foto retirada do google imagens

Foto retirada do google imagens

Como não senti a ‘magia da Disney’ que várias grávidas dizem sentir logo de cara, usei o tempo para  notar minha mama aumentando (mais!), veias saltando na barriga, espinhas surgindo nos locais preferidos da época da minha adolescência e meu bumbum tomando um formato peculiar. Algumas mudanças são legais e outras são um saco. Ces’t la vie.

Comecei também a entender mais ainda o quanto somos diferentes e individuais. Com uma amiga grávida do mesmo tempo que eu, conversamos sobre todas as modificações vividas. Eu, por exemplo, já sinto meu bebê mexer, enquanto ela não sente. Em contrapartida ela teve menos enjôos e aversões que eu logo no início. São histórias e corpos diferentes com um objetivo em comum: fabricar uma pessoa.

Além disso eu compreendi algo que antes eu julguei muito: a chatice que é as pessoas quererem tocar sua barriga. Quando ouvia alguma grávida falar que isso era bem chato eu logo pensava “aiii, que besteira! O que que tem?”. Algumas coisas a gente só aprende vivendo e, de fato, eu mordi minha língua ali, no primeiro dia que mesmo sem barriga, quando alguém foi se aproximando com aqueles 5 dedos mirando meu umbigo. Pensei muito no mome do Blog da Carol Costa “o corpo é meu” e concluí que a gravidez é um excelente momento pras mulheres perceberem que ainda falta muito pro resto do mundo entender isso – sem falar nos mil palpites e perguntas indelicadas ou desnecessárias.

Aprendizado

Nunca tive dúvidas de que a maternidade é uma festa de ‘toma distraída’ que dura muitos anos. Imagino que seja uma estrada cheia de aprendizado (nada fáceis, inclusive), e agora tenho a comprovação do que sempre imaginei: os tapas na cara começam na gravidez.

Retirada do google imagem: “comparação é a ladra da alegria”

Retirada do google imagem: “comparação é a ladra da alegria”

Todas as minhas reflexões feitas nesse momento me ajudaram a entender melhor outras mulheres, sobretudo no consultório. Se antes eu atendia uma gestante sugerindo a melhor das alimentações, hoje explico tudo o que pode acontecer e mostrar que é super natural não fazer o esperado. Isso não significa que é uma festa do caqui e que o potão de nutela tá liberado o dia inteiro, mas se o seu café da manhã completo foi reduzido a pão com maionese, pão com maionese será.  

Também deixo claro que, passado o mal estar, vem o momento de sentir uma fome que nunca foi sentida antes – e é aí que cai toda a expectativa de ‘aprender a comer’ durante a gravidez. Não existe comer intuitivo que segure a fome e o apetite de uma grávida. Sugiro trabalhar sinais de saciedade sempre, mas principalmente antes de engravidar, ou você será vítima de constantes empachamentos.

E sentindo na própria pele o quanto somos diferentes e individuais, refleti muito se contaria minha experiência aqui. No início da gestação, decidi que não ia seguir nenhum perfil de grávida, não ia ler mil sites, não ia comprar 20 livros pra saber o que esperar enquanto estivesse esperando e deixei bem claro que não vou assistir o renascimento do parto ou qualquer outro vídeo do tipo. Com uma tendência fortíssima a fantasiar momentos, eu preferi confiar na minha médica e em algum bom senso que me acompanha. A máxima “ignorância é uma virtude” tem feito muito sentido (para mim) nesse momento.

Vejo tantas mulheres inseguras, confusas e num fogo cruzado de comparação, que não quero fazer parte dessa festa. Há muita informação na internet - e ainda bem que se fala muito de assuntos que devem ser discutidos (parto normal x cesárea, amamentação e etc). Mas vejo muito romantismo e militância cega em torno de todos esses temas, e essa creio que essa abordagem aumenta a ansiedade num momento muito confuso.

Tenho encarado as últimas 17 semanas e as próximas 23 como um momento muito pessoal. As decisões são minhas e do meu marido e nós que viveremos as consequências dessas escolhas. Por isso decidi fugir de qualquer coisa que possa me afligir ou confundir minhas idéias. Isto posto, pensei muito se falava ou não sobre o assunto: não quero ser exemplo de ninguém (porque nunca fui e nem serei) e não quero ser mais um veículo de comparação/frustração. Eu sou só mais uma mulher grávida tentando fazer as coisas da forma que eu julgo a melhor possível.

Ainda assim eu achei interessante contar minha experiência com a alimentação e, por fim, falar algo que pode aliviar alguns corações:

Se você está grávida e não está sentindo essa magia mostrada por aí, tamo junta. Eu, você e mais um monte de mulheres que se sentem super culpadas por não estarem ‘plenas’ enquanto seu bebê se desenvolve atrás do próprio umbigo. É muito legal e curioso, mas se você tá tensa, se você não sentir aquela conexão profunda, não se emocionar e derramar lágrimas quando sentiu o seu bebê mexer ou não estiver conseguindo viver aquela coisa glamorosa tão difundida, não pense que você é menos mãe ou vai amar menos seu bebê: suas sensações são legítimas e muita gente tá passando por isso, pode crer. Conversando com muitas mulheres e profissionais de saúde que assistem as gestantes eu pude perceber que não se sentir um ser especial é mais comum do que se imagina.

E se eu puder aconselhar algo para qualquer mulher que pretende ter filhos, eu sugeriria não esperar a mágica da gestação para aprende a comer ou para respeitar o próprio corpo. Comece já essa mudança e entenda que  a gravidez pode ser um momento delicioso ou muito duro – você só saberá quando chegar lá. Além disso, escolha profissionais da sua confiança e tente se manter ativa e alimentada de bons alimentos e boas informações. Seu corpo, seu bebê e sua cabeça agradecem!

 Até a próxima! 

Marina

Obs: se você está grávida, de poucas semanas, e está se sentindo mal, vai por mim: passa! Eu não acreditava, até que passou! Um dia acordei e magicamente conseguia comer de tudo e mais um pouco! Sei que é difícil, mas vai passar, hahaha!