Emagrecer e ficar magro

 O IMC é o índice de Massa Corporal que pode determinar o estado de saúde através do peso. O cálculo do IMC é feito através do peso dividido pela altura ao quadrado, e o resultado indica alguns estados como magreza, eutrofia, sobrepeso e obesidade.

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Esse índice é muito utilizado em estudos populacionais e em consultórios médicos e nutricionais. Mas muitas vezes seu manejo não é muito bom e pode se tornar o início de uma vida de prisões alimentares e luta contra a balança. Quem nunca ouviu um médico/nutricionista "você TEM que emagrecer!" e ficou apavorado querendo perder peso a todo custo, ou conhece alguém que depois dessa ordem ficou achando que estar magro era essencial pra uma boa saúde? Mas nem sempre magreza é garantia de saúde!

Como assim?

Vamos imaginar uma situação bem comum: um paciente acima do peso (IMC aumentado) procura o profissional de saúde (médico ou nutricionista) com exames alterados, apontando uma resistência insulínica, aumento do colesterol, triglicérides e alteração da glicemia. Sabemos que nesse caso a perda de peso pode ser muito importante para o paciente. E aí o paciente sai do consultório com uma ordem: “Você TEM que emagrecer!". A frase sai assim da boca do médico/nutricionista mas chega de outra maneira no ouvido do paciente: “Você precisa ficar magro”.

E é aí que pode se iniciar toda a história do terrorismo nutricional e das restrições malucas. O paciente se transforma em impaciente e começa a luta contra a balança, tentando de todas as maneiras ficar num IMC ‘adequado’ e em mostrar resultado para o profissional que deu essa ordem. Ou seja: inicia-se uma vida de dietas restritivas e tratamentos malucos com um objetivo princpal: ficar magro.

Mas o que ninguém conta é que essa perda de peso só vai trazer benefícios para a saúde se for consequência de uma mudança da alimentação e de outros hábitos: emagrecer por emagrecer não é uma saída. Além disso, todo mundo se esquece de um importante detalhe: 

 'emagrecer' e 'ficar magro' não são sinônimos.

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Em alguns casos, a perda de peso é importante. Mas isso não significa ficar num IMC entre 20 e 25 e muito menos com um percentual de gordura de musa fitness. A demanda aqui não é pela magreza, mas sim pela boa saúde. E isso a gente consegue através de mudanças de hábitos, ou seja: uma boa alimentação, mais atividade física e, porque não, acompanhamento terapêutico. Você pode fazer essa transformação sem ficar necessariamente magro, ao passo que muita gente pode migrar para um IMC 'ideal' e continuar com uma saúde desequilibrada. Quando entendemos que é possível melhorar o prognóstico através de mudanças graduais e sem a obrigação de ficar num padrão magro, o sucesso é grande e sustentável.

Nem sempre a perda de peso precisa ser do tamanho do IMC. Se ela existir como resultado de uma mudança positiva no estilo de vida, você pode não ficar magro, mas estará saudável.

O contrário também preocupa

O mesmo pode acontecer com quem sofre com transtornos alimentares. É muito comum ver pacientes serem tranquilizadas pelos médicos após um ganho de peso que as deixa na faixa de ‘normalidade’ do IMC, quando na verdade elas precisavam entender que transtornos alimentares dizem respeito a outros fatores tão ou mais importantes que uma faixa de IMC e exames laboratoriais na faixa de normalidade.  

Velhas crenças

A primeira observação que devo fazer a respeito disso é: o IMC (assim como o percentual de gordura e o peso) não é um preditor de saúde quando visto de maneira isolada, e o peso também não pode ser um fator determinante na hora de dizer que alguém é ou não saudável.

E no meu entendimento essa maneira de lidar com peso acontece também porque muitos profissionais continuam acreditando que todo mundo quer ser magro, e isso talvez aconteça pela transferência das próprias expectativas ou pela repetição de um discurso antigo e démodé de que só os magros são felizes. Mas a gente sabe que ser magro não é  sinônimo de felicidade! E muito menos de saúde... 

O comum é vincular algumas doenças ao sobrepeso e obesidade: diabetes, hipertensão, problemas renais e etc. E quando alguém fala que a má alimentação pode adoecer, a maioria pensa apenas em problemas relacionados a carência de nutrientes, e se esquendo que pessoas magras também podem ter os mesmos problemas que são comumente vinculados a quem está acima do peso.

Empatia no diálogo

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Uma grande parte dos profissionais de saúde não aborda o assunto de uma maneira empática. A ordem ‘você TEM que emagrecer’ soa como uma imposição dura e coloca o paciente em uma situação quase degradante, como se seu excesso de peso fosse falta de  'força, foco e fé', mentira amplamente divulgada por alguns profissionais de saúde por aí. Além disso, frases como 'faça uma dieta',  'corte todo o carboidrato' e 'é só fechar a boca' são comuns - e igualmente cruéis.

Não são todos os médicos e nutricionistas que entendem que a obesidade é uma condição multifatorial e que aquela pessoa na sua frente não precisa só de mudança de hábitos e perda de peso, mas também de escuta e paciência. Uma escuta empática é tão poderosa quanto uma prescrição. Na minha prática clínica eu vejo várias pessoas que receberam um diagnóstico e uma ordem, mas ninguém sentou para explicar o que aquilo significava, entender o momento atual de vida e conversar de uma maneira não punitiva ou julgadora. E o estigma do peso vai tão longe que existem estudos falando sobre o impacto do estigma do peso sobre pacientes gordos.

Precisamos urgentemente de mais conversa sobre tudo isso nas classes médicas, mais matérias nas universidades que falem sobre a importância do diálogo, mais fiscalização dos conselhos profissionais, mais união entre as especialidades e menos terrorismo nas mídias. 

E no geral, devemos ficar atentos a necessidade de emagrecer. "Por causa da minha saúde" é uma justificativa muito rasa para quem quer ficar MAGRO. Quem quer saúde deve comer bem (e isso não significa restrição, punição ou culpa) e praticar atividades físicas por prazer, e não por compensação.

Quebrar o velho padrão de magreza vai muito além das capas de revistas e do instagram: a hora da consulta é muito determinante para as pessoas entendam que cada indivíduo é único e que magreza nem sempre é sinônimo de sucesso.

Até a próxima!

Marina

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/obr.12266 -  artigo interessante sobre a qualidade no atendimento de pacientes obesos