Vou contar sobre a Whole30

Ficar 30 dias sem comer açúcar já é comum no fantástico mundo da internet. Outros alimentos e ingredientes também fazem parte desse tipo de 'desafio’ - que nada mais é que uma restrição disfarçada de de atitude bem intencionada, como escrevi aqui nesse post.

Agora imagine ficar 30 dias sem: açúcar ou adoçante (nenhum tipo), álcool (nem pra preparar um risotto), grãos (como arroz, milho, aveia, etc), oleaginosas (amendoim, pasta de amendoim, castanhas, etc), leite e derivados e nenhum alimento processado ou ultraprocessado. Se você já está craque em decifrar dietas, pode perceber que essa é mais uma que permite comer apenas carne, frango, peixe, ovos, legumes, verduras, algumas frutas e água. Ou seja: uma nova dieta da proteína.

WHOLE30

Essa dieta que descrevi acima se chama Whole30 e foi criada por Melissa e Dallas Hartwig, um casal americano que deu vida a essa ‘nova forma de se alimentar’. Segundo o próprio site do Whole30, esse ‘programa alimentar’ tem como base estudos realizados pelo casal. Observação: não há (ou pelo menos eu não encontrei) nenhum estudo no Pubmed* em que eles sejam autores ou co-autores.

A intenção dessa dieta não é somente fazer você perder peso, mas também mudar a sua vida. Numa tradução feita por mim, de dados do site, “isto (a dieta) vai mudar o jeito que você pensa sobre alimentação, vai mudar seu paladar, seus hábitos e suas compulsões. E pode, possivelmente, mudar a relação emocional que você tem com a comida e com o seu corpo. (O whole30) tem potencial para mudar o jeito que você come para o resto da sua vida. Nós sabemos disso porque nós fizemos isso, e dezenas de milhares de pessoas já fizeram isso antes, e mudaram nossas vidas e a vida deles de uma maneira permanente”.

E continua…

“Você não tem que comer algo que você não quer comer. Somos todos crescidos. Seja firme. Aprenda a dizer não ou deixe sua mãe orgulhosa e diga “não, obrigado”. Aprenda a se defender. Só porque é o aniversário da sua irmã ou o casamento do seu melhor amigo, ou um evento da sua empresa, não significa que você tem que comer qualquer coisa. É sempre uma questão de escolha, e nós esperamos ajudar você a não sucumbir a pressão dos seus amigos”.

WHOLE30 - BRASIL

O WHOLE30 não é somente uma dieta: é também uma marca registrada, com livros e produtos licenciados. É só dar uma olhada no site americano e entende do que se trata. Mas se você quiser, pode procurar várias informações em sites brasileiros. Em um deles eu vi um texto que me fez admirar a criatividade e a falta de noção sobre evolução humana.

O texto diz que você deve imaginar “que voltou a viver na época em que não havia agricultura (ou seja, não se falava em grãos), não existiam máquinas, indústria alimentícia ou instrumentos para culinária”.

Até aí tudo bem, é a mesma idéia da Paleo (absurda, mas é uma idéia). Só que a melhor parte vem agora:

Bom, você certamente não iria encontrar arroz plantado no solo, já que não se produziam grãos”.

O autor dessa pérola está dizendo que o arroz só surgiu depois da agricultura, como esse alimento tivesse sido inventado pelos homens da pedra polida, e não cultivados por eles. Inventar uma receita sim, mas um alimento? No mínimo esquisito.

E FUNCIONA?

Com certeza você vai encontrar pessoas que testemunham a favor do Whole30 - e de outras dietas. Mas também encontrará uma comunidade científica inteira bradando contra dietas e privações alimentares - e eu estou aqui para tentar te mostrar alguns pontos e facilitar sua decisão de embarcar ou não nessa.

Pra começar: NÃO SE TRATA COMPULSÃO ALIMENTAR COM RESTRIÇÃO. Esse papo de que uma dieta é capaz (ou recomendada) para reduzir compulsões ou food cravings** é furada. E sim, whole30 é uma dieta, mesmo todos afirmando que ‘não faz restrição de calorias'. Restringir grupos alimentares ou ingredientes específicos são formas de privação - e tem efeitos muito deletérios para o corpo.

A idéia de ‘reduzir inflamações’ é o novo ‘detox'. Dizer que você está ‘inflamado’ assusta muito, e é nesse terrorismo que as dietas que prometem uma limpeza corporal se apoiam. Eu não sei ao certo, mas acredito que a idéia de ‘inflamação’ vem da afirmação ‘a obesidade é uma doença crônica inflamatória’. Fato é que a ‘inflamação da obesidade’ se deve a produção de proteínas (pelo tecido adiposo) que podem ativar algo chamado ‘cascata inflamatória’, que induz a produção e secreção de diversas proteínas de fase aguda - responsáveis pela tal inflamação. Se você não conseguiu acompanhar o raciocínio bioquímico, não tem problema: é complicado mesmo. O recado que você tem que levar é que: a) inflamação é uma palavra que, nesse contexto de dieta, é usado para vender uma idéia e b) uma dieta não vai te ‘desinflamar’. Nem vai te detoxificar.

E lembre-se: o nome é diferente, mas no final das contas, é mais uma dieta da proteína. Esse tipo de intervenção causa uma (falsa) impressão de grande perda de peso inicial - o que leva qualquer um a acreditar que a dieta funciona. Some a isso a promessa de uma alimentação mais saudável e um corpo sem intoxicação - e isso tudo sem aqueles desejos alimentares que fazem qualquer um comer impulsivamente (ou compulsivamente). É o cenário perfeito.

No discurso, uma maneira de desafiar sua maturidade e inteligência. É uma fala te infantiliza. Como traduzi acima: ‘não é possível que você vai ser o bebê da mamãe e não vai falar não para o que você não deve comer’. Ou seja: eles te apontam como um bebezão fracassado caso não siga as ordens do programa. Agora pense comigo: a idéia de não conseguir já te faz mal. Por um acaso você quer se sentir pior? Claro que não! Então melhor seguir tudo tim tim por tim tim, como se escolhas alimentares fossem tão simples como escolhe um detergente no supermercado. É um falso incentivo.

DIETAS E INFLUENCIADORES: UNI-VOS

Esse texto foi escrito como uma maneira de responder a algumas leitoras que me perguntaram sobre o whole30. Eu já havia ouvido falar da dieta, e até achei que já tinha caído no ostracismo… Mas aparentemente uma influenciadora de aproximadamente 700 mil seguidores iniciou o Whole30 recentemente. Quando pediram para que eu falasse sobre o tema e apontaram-na como raiz da dúvida, a primeira coisa que me veio na memória é que no final do ano retrasado (2017) eu escrevi um post sobre um tal ‘diário de dieta’ que essa mesma influenciadora estava fazendo. Esse diário era baseado em uma outra dieta (que tinha cara de publicidade para uma clínica paulistana).

Fui dar uma olhada no blog da influenciadora (lindíssimo, por sinal) e procurei o termo ‘dieta'. Encontrei diferentes dietas feitas por ela desde 2013. Nesta época, a técnica era retirar glúten e lactose. Em 2014, uma nova forma de emagrecer. Em 2016, um diário de dieta e em 2017, o mesmo diário mas em uma versão diferente (a possível publicidade). No início de 2018, ela iniciou o Whole30.

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Essa influenciadora é apenas um exemplar de um grupo enorme: pessoas que vivem de dieta. Pessoas seguem tentando emagrecer por várias razões: insatisfação corporal, desejo de alcançar o corpo perfeito, necessidade de adequação em um grupo (magro ou ‘fazedor de dieta) e até transtornos alimentares. No caso dela eu não sei dizer quais dos motivos a levaram (e ainda levam) na busca pela perda de peso, mas achei interessante contar essa história para que, toda vez que surgir alguém fazendo uma nova dieta, você tenha uma visão crítica sobre o assunto. Pergunte-se: Quantas vezes ela já fez dieta? Existe algum interesse comercial velado nesse novo método? Quanto tempo vai durar? Essas mudanças serão sustentáveis?

Todas essas perguntas nos respondem muitas dúvidas quando falamos a respeito do combo internet + modismos alimentares, tanto no mundo das influenciadoras quanto no mundo real.

A whole30 é mais um programa de promessas, assim como todas as outras dietas. Se funciona para uns ou outros, que bom (ou não) para eles. Mas lembre-se sempre: não há apenas uma dieta que serve para todo mundo e, o mais importante: restrição gera compulsão. Apenas 30 dias de privações são capazes de fazer um belo estrago!

Até a próxima!

Marina

  1. * PUBMED: um motor de busca de livre acesso à base de dados de citações e resumos de artigos de investigação em biomedicina.

  2. ** Food Craving: termo inglês usado para designar o desejo muito grande de comer algo.

Obs: todas as fotos foram retiradas do pinterest