TBT: PAZ(coa)

ESSE TEXTO FOI ESCRITO E PUBLICADO EM ABRIL DE 2019, MAS DECIDI FAZER UM TBT PARA QUE POSSAMOS REFLETIR SOBRE ISSO TAMBÉM NA PÁSCOA DESSE ANO!

Domingo, 21 de abril de 2019, celebra-se o domingo de páscoa. Os ovos de chocolate, símbolo maior dessa data, já estão nos supermercados antes do carnaval. Produtores de ovos caseiros já estão a todo vapor, e a preocupação com o chocolate consumido também.

Imagem encontrada no Pinterest

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Algumas pessoas se negam a comer chocolate: “eu prefiro nem comer, porque se eu como, eu não paro mais", é o que a maioria diz. Se a afirmação não é essa, a justificativa é a seguinte: “o meu problema é que eu gosto de chocolate, sabe?”. Eu costumo lembrar que gostar de chocolate, algo tão gostoso, não é um problema, e sim uma questão de paladar - ainda brinco dizendo que problema é quando você gosta de substâncias estranhas, como shampoo, sabonete, pedra…

E acho sempre importante explicar que ficar sem comer chocolate não é a solução para não abrir essa 'porta’ para o excesso. Muito pelo contrário: restringir só aumenta o consumo na hora da permissão.

E com a páscoa chegando daqui 30 dias, muita gente opta por não comer chocolate até lá, já que quando a data chegar, haja chocolate! Outras procuram soluções supostamente mais saudáveis, como ovos sem lactose, sem glúten e sem açúcar.

VÍCIO EM CHOCOLATE

A sensação que algumas pessoas tem de ‘abrir uma porteira’ para comer muito pode não ser só uma sensação: é também um fato. Quem faz restrições, ao consumir, acaba comendo mais do que necessário. Isso pode acontecer com quem tem algum transtorno alimentar mas também com quem não tem nenhum tipo de questão psiquiátrica. O comer exagerado é muito comum após a proibição de determinado alimento, e a cada vez que você entra no ciclo ‘proibido-liberado', acredita mais e mais que é um viciado em chocolate que não conseguirá nunca lidar com isso. Mas será que existe vício em chocolate?

O termo ‘vício em comida’ é questionável na ciência. Apesar de amplamente divulgado, não podemos afirmar que comida vicia. Segundo o psiquiatra Dr. Alexandre Pinto de Azevedo, ‘para que uma substância promova vício, é necessária uma atuação direta em estruturas cerebrais (…) e promovem alterações de funcionamento cerebral'. Um estudo de Gordon e colaboradores mostrou, através de uma revisão sistemática*, que ainda faltam evidências para confirmar que existe vício em comida.

Mas mesmo assim você tem a sensação de que, quanto mais você come, mais você quer comer, continue lendo - você não está delirando.

Conversei com a Anna Carolina Rego, nutricionista Doutora em Ciências Biológicas e ela me explicou que, apesar da ausência de consenso sobre o assunto ‘vício em comer’, existe uma certeza: na presença de açúcar e gordura, há um aumento da dopamina na região de recompensa do cérebro. A dopamina é um neurotransmissor, e nesse caso descrito, quando a presença dela é grande, a sensação de ‘prazer’ também é. Ou seja: quando comemos algo rico em açúcar/gordura, sentimos uma sensação deliciosa de prazer. Para repetir essa sensação, basta repetir a dose de chocolate. Só que isso não pode ser caracterizado como vício, e ainda falta muita discussão para entender se, assim como outros vícios, a tolerância aumenta a medida que comemos.

Num tema ainda sem conclusões científicas, podemos traçar uma linha de raciocínio juntos: comer açúcar e gordura ativa regiões de recompensa - isso gera uma sensação de prazer. Como é uma sensação que gostamos, quando queremos sentir mais, comemos. Porém, esse açúcar e gordura citados acima não são somente do chocolate: frutas, ovos, carnes, castanhas, pães, arroz, feijão… tudo isso tem açúcar e gordura. E ficamos viciados nesses alimentos também?

Nosso corpo não tem a capacidade de diferenciar o açúcar que vem do chocolate ou da fruta. O importante é que aquela molécula de glicose está ali, nos fazendo sentir um prazer delicioso - e muitas vezes, uma culpa enorme.

Imagem retirada do Plum Pudding Illustration

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Lendo e ouvindo artigos e profissionais, sugiro que você não se rotule um ‘viciado em comida', seja lá qual ela for. O termo ‘viciado’ carrega um estigma muito grande, e você não precisa lidar com mais uma responsabilidade dessas. Se você acredita que come de maneira descontrolada e isso te causa um grande sofrimento, procure ajuda profissional. E não vá correndo pros braços do nutricionista que te disser que ‘é só ter força de vontade e parar de comer chocolate’ hein? É pra procurar alguém que te ouça, te acolha e te entenda. Se você faz restrições por medo de engordar ou por medo de comer mais do que gostaria, também é legal conversar com alguém. Há ótimas estratégias para melhorar o medo, a culpa e o modo de enxergar esse consumo.

Ovo saudável (?)

Na internet, pipocam ovos ‘saudáveis’. A grande maioria não contem açúcar, não tem glúten e/ou lactose e tem como cobertura a propaganda do ‘saudável e sem culpa’. No geral esses ovos (ou sobremesas) são feitos de farinhas de amêndoa/amendoim/coco, adoçantes (o xilitol é muito usado), chocolate sem açúcar e sem lactose, cacau e óleo de coco.

São ovos lindos, enormes, super recheados. Um convite para os olhos de quem ficou sem provar uma sobremesa por muito tempo. Mas muito cuidado na hora de cair nesse conto do vigário: além de caros, não podemos afirmar que os ovos são saudáveis.

Alimentação saudável é aquela que promove bem-estar físico e mental. Em exagero, qualquer produto vai te causar algum dano. Diarréias, por exemplo, são comuns quando comemos muito doce. Mas também podem ocorrer quando consumimos o xilitol, um adoçante ‘natural’ que mesmo em doses não tão grandes pode causar um desconforto intestinal enorme.

Comer em excesso, independente do alimento, não é saudável. Comer por comer, apenas porque é ‘permitido', não é uma escolha equilibrada. Porém, quando compramos a idéia do produto ‘saudável', consumimos exageradamente, sem pensar e, na grande parte das vezes, nos enganando: afinal, o que queríamos comer era um delicioso chocolate ao leite mas estamos com uma massa de farinha de castanhas e bastante adoçante na boca.

Também não há vantagem em se isentar de glúten, lactose e açúcar se você tem alguma condição clínica para tal. Eu sei que está TODO MUNDO falando disso o tempo todo, sei até que você conhece uma pessoa que emagreceu bastante depois de cortar isso tudo aí. Mas não seria difícil perder tanto peso depois de tanta restrição, certo? A minha pergunta é: e quando essa pessoa voltar a comer o que comia antes?

Imagem retirada do Pinterest

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E se você vier com o discurso de que está pensando na sua saúde, me desculpa, mas não consigo conceber a idéia de trocar um ou dois ovos de páscoa, distribuídos entre os vários dias que antecedem e sucedem a páscoa, por uma unidade enorme, cara e feita de produtos ‘pseudo’ saudáveis.

E pra terminar, não adianta comprar um ovo que, muitas vezes nem tão gostoso é, só pelo apelo saudável, e comê-lo inteiro sem pensar.

Ovos recheados, chocolate amargo, chocolate ao leite

Quando eu era criança, os ovos convencionais - aqueles que tinham a casca de chocolate e, no interior, alguns bombons, eram os únicos tipos existentes. Atualmente os ovos recheados invadiram o comércio. Uma explosão: tem ovo de trufa, de bolo, com mais chocolate, com mousse, de brigadeiro e onde mais a imaginação do confeiteiro conseguir chegar. Mas será que a gente precisa disso tudo mesmo? Aquele montão de sabores que, pelo excesso, a gente não consegue nem sentir o gosto… tenho minhas dúvidas! Além disso, sou old school: se for pra comer o brigadeiro, gosto daquele de festa, ou na colher direto da panela…e não dentro de um ovo gigante com mais chocolate ainda.

O crítico gastronômico Arnaldo Lorençato tem uma frase que adoro citar para opinar sobre o consumo alimentar: “Depois da segunda garfada, a terceira é igual”. Não sei afirmar se segunda e terceiras garfadas são tão diferentes, mas o fato é que a medida que comemos, o sabor vai ficando menos surpreendente. Então aquele ovo super recheado, onde você come vorazmente e nem sente o gosto direito, seria necessário?

Quem consegue comer o chocolate sentindo seu sabor, com calma, apreciando, provavelmente gosta do bom e velho ovo de páscoa - e da emoção de ver o que tem no recheio. Você também pode achar uma delícia aquele ovo super recheado, e tem todo o direito de comê-lo. Mas ao comprar se pergunte sempre: estou comprando para comer tudo o que posso de uma vez só, ou é porque eu realmente gosto disso?

E se sua dúvida é se o ovo de páscoa deve ser de chocolate amargo ou não, a resposta mais coerente que posso te dar: o que você gosta mais. O chocolate amargo é um ingrediente cercado de sensacionalismo nutricional - o nutricionismo, ou nutrifluff. Através das promessas de um alimento saudável e detentor de poderes milagrosos, muita gente também embarca na onda e vende o chocolate amargo como produto imperdível para quem quer comer ‘sem culpa’. Mas aí entramos na mesma discussão lá de cima: vale comer algo que você não gosta tanto só para aliviar uma culpa insensata?

Há quem adore o chocolate amargo. De maneira geral, eles tem um sabor mais puro, mais próximo ao sabor ‘real’ do chocolate. Tem menos açúcar, menos leite e menos gordura… a quintessência do cacau. E nós, acostumados a doçura dos chocolates ao leite, achamos o gosto estranho. Mas é questão de costume: se você quer aprender a comer chocolate amargo porque acredita que é interessante consumir um produto mais ‘original', comece aos poucos: 50% amargo até aumentar o amargor. Mas a recomendação segue a mesma: só compre chocolate amargo se você gostar. E não embarque na onda do comer excessivo somente porque é amargo!

No mais, a minha sugestão pra você que quer chegar na páscoa em paz, é tentar consumir todo dia um pedacinho de chocolate. Escolha um chocolate pequeno, que vende a ‘unidade’, e coma um por dia. Saboreando. Esse consumo não vai interferir na sua saúde e nem no seu peso: mas vai ser um belo presente pro seu bem estar e para a paz em comer. Faça o exercício e me conte como foi abrir o ovo sabendo que você não precisava devorá-lo.

Até a próxima,

Marina

*Revisão sistemática é uma investigação científica (um estudo) que agrupa outros estudos relevantes sobre uma mesma questão, com intuito de se realizar uma revisão critica e abrangente daquele tema. Trocando em miúdos: é um compilado de pesquisas sobre o mesmo assunto.

Para ler sobre vício em comer - Dr. Alexandre: https://www.instagram.com/p/BooJtrHlQZ_/

Para conhecer mais o trabalho da Anna Carolina - https://www.instagram.com/alemdocomer/