Culpa e redes sociais

Outro dia atendi uma mulher de 45 anos que me fez a seguinte afirmação: nunca tive culpa em comer, até entrar no instagram. Ela me contou que, até então, comia razoavelmente bem, tinha poucos questionamentos: sabia que sua alimentação não era perfeita, mas estava feliz com suas escolhas. Até que resolveu entrar no mundo das redes sociais e sua briga com a comida começou. Curiosa pelo universo da nutrição, começou a seguir algumas pessoas da área e recebeu uma enxurrada de conteúdos relacionados ao tema(o danado do algoritmo!). Mas no meio desse mar de posts, ela se perdeu. O que era para ser algo informativo, virou problemático, e ela começou a questionar se realmente devia estar comendo aquele arroz com feijão, ou se não precisava passar uns dias fazendo jejum e até tentou, de maneira frustrada, seguir alguns dias numa dieta low carb. E veja bem, essa pessoa nunca teve a intenção ou desejo de emagrecer: era apenas uma curiosidade, uma vontade de aprimorar algo que já era bom.

Foi assim que a mulher que se alimentava bem e tinha uma saúde mental em ordem começou a se sentir muito culpada em fazer o correto, clicando em posts que falavam sobre o assunto. Dá pra imaginar o que pode acontecer com uma adolescente cheia de questões com o corpo e com a dieta, uma vez que a ciência já demonstra a relação entre uso aumentado de redes sociais e piora na insatisfação corporal?

Para confirmar isto, o Facebook Papers* trouxe a tona a mesma conclusão dos cientistas: o uso das redes sociais, sobretudo em excesso, pode destruir nossa saúde mental, e não há interesse algum das plataformas em mudar isso. Na verdade, existe todo e qualquer tipo de incentivo para distribuir ainda mais determinados tipos de conteúdo.

Eu acredito que sim, essas empresas devem ser responsabilizadas. Mas é também acho utópico pensar que elas mudarão totalmente a postura pelo bem da sociedade. Por mais que algumas estejam se movimentando para tal (como fez o Pinterest, vetando anúncios que falem sobre emagrecimento ou promessas de corpo perfeito), o conteúdo vai continuar.

Algumas pessoas tendem a responsabilizar o usuário: “segue quem quer!”, “é só entender que aquilo ali é uma mentira” e até “saia do instagram/facebook/etc”. Acho super complicado ter essa expectativa sobre as pessoas, e também não sei se acredito num corte tão abrupto com algo que já faz parte da nossa cultura.  Outro dia eu ouvi a jornalista Januária Alves (@janu_alves) falando no podcast da influenciadora @camilacoutinho algo que resume o que penso sobre o tema. Ela se referia ao público infantil, mas acho que se aqui no caso: nós somos nativos digitais, mas não somos alfabetizados digitais. Muitas vezes dominamos o aparelho, mas nem sempre dominamos o conteúdo. E é no conteúdo que reside o bem e o mal.

Eu acredito sim que temos nossa parcela de responsabilidade, e parte de nós o trabalho ativo em viver se questionando o porquê de estar sendo tão influenciado por aquele post. Também é nosso papel lembrar que uma parcela dos influenciadores não está preocupada com você. Ou seja: depende da gente atribuir menos importância a eles, já que as redes sociais crescem a partir de interação, e é interagindo menos que criamos um ambiente e um algoritmo mais saudável.

É um tema espinhoso, mas, mesmo acreditando na nossa educação digital, também defendo que as empresas se comprometam em melhorar o ambiente digital.

Como usuária geradora de conteúdo, não me vejo fora das redes. Acho um excelente recurso, e tento pautar sempre meu trabalho com muita responsabilidade – mesmo sabendo que não tenho domínio sobre o sentimento que gero em cada um. Como consumidora, gosto muito de discutir com amigas e amigos sobre algo quando aquilo me incomoda, e lembrar sempre que o instagram tende a vestir sempre a roupa de gala, a mostrar a melhor (e várias vezes irreal) versão.

Por fim, pode parecer até um contrassenso ver uma pessoa que usa o instagram como ferramenta de trabalho fazendo críticas a ela, mas acredito justamente nesse caminho para todos: o do questionamento.

Até a próxima,

Marina